Valter Lessa
Quando se fala na quase esquecida transposição do Rio São Francisco para o Nordeste brasileiro, ainda pairam no ar várias dúvidas. Trata-se realmente de um projeto viável sob o ponto de vista técnico, econômico e social, ou simplesmente uma utopia meramente política, ou, mais ainda, a famosa indústria da seca, tão arraigada aos hábitos dos políticos da região? O alarme em nível nacional e até internacional do bispo de Barra, Dom Luis Flávio Cappio, inclusive com uma prolongada greve de fome, tinha sentido? A reação contrária de renomados técnicos e estudiosos do problema, respaldados em dados científicos ao mega-empreendimento, por que não foram levados em consideração?
Questões como estas e tantas outras precisam ser dissipadas à luz da transparência de um diagnóstico preciso e enfático, sobretudo porque o clamor da sociedade já não suporta tantas mazelas com o erário público. Torna-se imperioso uma tomada de posição, através de um raio X capaz de detectar com precisão os meandros dessa aparente inócua aventura.
A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) promoveu em sua sede, no dia 22 de novembro, uma palestra do engenheiro Manoel Bonfim, uma das maiores autoridades brasileiras sobre o tema. Bonfim, com uma memória invejável, mostrou com elementos históricos e dados preciosos a fantasiosa transposição, completamente inócua.
É bom lembrar que os engenheiros nordestinos, os melhores em hidrologia do mundo nas técnicas da açudagem, construíram mais de 70 mil açudes em quatro estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba, armazenando 40 bilhões de metros cúbicos de água. O subsolo nordestino dispõe de 135 bilhões de metros cúbicos de água acumulados. Ao todo a região possui l75 bilhões.
Dentre estes, tive a oportunidade de fazer a cobertura jornalística da inauguração do Açude Orós, no Ceará, no dia 05 de janeiro de 1961, com a presença do presidente Juscelino Kubitschek. O Orós acumula 2 bilhões e 500 milhões de metros cúbicos de água. O Ceará tem hoje 55 mil açudes, a Bahia apenas 150. A transposição vai levar, inicialmente, através dos dois canais Norte e Leste, 2 bilhões, volume igual a evaporação de um só açude, o Castanhão no Ceará.
O que falta é a distribuição, através de um vigoroso sistema de adutoras. Existe atualmente apenas 4.000 quilômetros de adutoras, quando a necessidade é de 40 mil, com um custo insignificante em relação ao fantasioso projeto. Comparo os nordestinos, em relação à água, aos pintos: de papos cheios e sempre piando. Bem mais preocupante é a revitalização do rio.
O Velo Chico está doente. Seu estado de saúde é grave, batendo às portas de uma UTI sob o olhar indiferente dos poderes constituídos em níveis federal, estadual e municipal.
Dá dó ver a agonia, o grito de socorro de seu leito assoreado e poluído do começo ao fim, das nascentes às suas desembocaduras, um pobre coitado que me faz lembrar um texto do livro Segredos de alcova, de Octave Mirabeau: “Os pobres são o estrume humano sobre o qual crescem as colheitas da vida, as colheitas da alegria, alegria que os ricos ceifam e das quais abusam tão cruelmente contra nós”.
Torna-se imperioso adotar urgentemente uma política administrativa para valer para as suas 500 cidades e 800 povoados existentes no Vale, tais como: executar programas de saneamento básico; despoluição do rio principal e seus afluentes; uma operação contínua de dragagem em todo o sistema fluvial restabelecendo os cursos de navegabilidade; reflorestar com silviculturasregionais, nativas e frutíferas, umbu-cultura caju-cultura e outras; controlar e combater continuamente o desmatamento predatório através de brigadas e agentes fiscais; ainda, realizar uma grande operação de contenção marginal dos barrancos ao longo do rio à imagem e semelhança do realizado no Rio Tenesse, nos EUA.
Publicada: 05/12/2011 03:20| Atualizada: 05/12/2011 03:15
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