A irmã de Francisco Antônio
Farias, conhecido como 'Chico Virado', não se conforma com sua perda e quer
respostas. Como milhares de outras pessoas, que perderam entes queridos, por
conta da violência desenfreada no Ceará, Ludmila Diogo chora e espera por Justiça.
No entanto, Ludmila tem um motivo a mais para se revoltar, já que o principal
suspeito da morte de seu irmão é o policial militar, Francisco Marcos Melo
Felipe, que acabou por lhe causar danos, ao invés de lhe proteger.
Entre 2012 e 2013, 76 PMs foram
demitidos e expulsos pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de
Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD). Ano passado, entre os 56
militares desligados da Corporação, a maioria foi por participar de movimentos
reivindicatórios (10). O segundo motivo que mais causou expulsões e demissões
foram os homicídios (9), seguidos por lesões corporais (8) e falsificações de
documentos (7).
Em relação ao ano de 2012, houve
um crescimento de 180 por cento, com um registro de 20 casos de PMs demitidos e
expulsos. As demissões de militares geralmente são desencadeadas por
transgressões, já as expulsões estão ligadas ao cometimento de crimes.
Temporária
O PM lotado na 1ª Cia do 12ºBPM
(Caucaia), encontra-se, atualmente, no Presídio Militar de Fortaleza, por força
de um mandado de prisão temporária. Conforme Ludmila, no dia nove de fevereiro
último, 'Chico Virado' foi encontrado morto dentro de um veículo, alvejado por
oito tiros de pistola. Momentos antes de ser achado por populares, ele teria
discutido com o policial citado, durante uma festa no Clube Rancho Azul, que
fica às margens da CE-187.
O escrivão Wagner da delegacia de
Nova Russas (316Km de Fortaleza) confirma a versão de Ludmila. Ele disse que o
inquérito está sendo apurado, mas que indícios fortes apontam para que
Francisco Marcos seja o autor do crime.
A dor e a saudade sentida pela
denunciante, não é só dela. Somente neste ano, pelo menos, seis PMs estão sob
suspeita de terem cometido homicídios no Ceará. Além de 'Chico Virado', um
pescador teria sido assassinado, na Praia do Iguape, pelo policial da reserva,
Messias Rodrigues de Freitas. O caso aconteceu no dia 11 de março e Messias
teve que ser contido pela população até a chegada da Polícia.
Em 14 de fevereiro último, um
caso que teve grande repercussão aconteceu no bairro Maraponga, em Fortaleza. O
pedreiro Francisco Ricardo Costa de Souza morreu após ser espancado,
supostamente pelos soldados José Milton Alves Maciel Júnior, Dennis Bezerra
Guilherme e Washington Martins da Silva.
Durante o carnaval, o jovem Jonas
Francisco Nogueira Lima morreu após dar entrada no Hospital Municipal de
Beberibe com várias lesões. A CGD afirmou que está investigando a morte, pois
militares são suspeitos de terem agredido o rapaz.
Crimes como tráfico e assaltos
que envolvem policiais, também chegaram ao conhecimento da imprensa. Na última
segunda-feira, dia 11, o cabo Vicente Eduardo Menezes Porto, 42, do Batalhão de
Policiamento de Guarda Externa de Presídio (BPGep) foi preso em Aracati, após
ser flagrado transportando 150kg de maconha.
Os soldados Adriano Felipe dos
Santos e José Júnior de Souza Guerra, 38, foram detidos sob suspeita de
assaltos em série. O primeiro, no Conjunto Ceará, em Fortaleza; o segundo no
Município de Tauá, nos Inhamuns.
Os exemplos citados ilustram uma
realidade que, para o presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e
Corpo de Bombeiros do Ceará (Aspramece), Pedro Queiroz, advém de falta de
assistência psicossocial e de baixos salários. "São fatores que, com o
passar do tempo, vão mudando a personalidade das pessoas. Falta humanidade
dentro dos quartéis. Os baixos salários que são pagos aos policiais do Ceará e
o que acontece no cotidiano, acabam por influenciar estas condutas criminosas. Na
maioria dos casos, é a ausência de valorização profissional que leva os colegas
a cometerem delitos".
Para P. Queiroz, a situação
psiquiátrica dos PMs precisa ser revista para que o índice de crimes praticados
por eles diminua. "Em 2013, quase cinco mil policiais militares tiveram
licenças homologadas pelo Estado, por motivos psiquiátricos. Muitos outros que
estão doentes não se licenciam, para não perderam as gratificações. Temos
muitos policiais de serviço, sob efeito de psicotrópicos, ou, sofrendo de
transtornos psiquiátricos. Estas condições alteram muito as atitudes de um
policial em serviço".
O presidente da associação disse
que a instituição está tentando conscientizar os servidores para que eles se
mantenham longe dos crimes. Queiroz considera importante o trabalho da CGD, mas
disse ser "exagerado".
O porta-voz da PM,
tenente-coronel Fernando Albano, informou, em nome do Comando Geral da
Corporação, que valores e doutrinas contrárias à pratica de delitos são
repassadas aos servidores. "Não só durante a formação, mas durante toda a
carreira deles na PM-CE, pois a Instituição é legalista. Os seus integrantes
têm a obrigação de agirem dentro da lei e em total sintonia com os valores da
Corporação".
Sobre o aumento de casos de
supostas participações dos PMs em crimes, o representante da Corporação disse
que considera que estes são fatos que não podem ser considerados comuns, diante
das muitas atuações corretas dos policiais nas ruas. "Entendemos que esses
casos são isolados e que não representam, sob hipótese alguma, despreparo. Os
nossos integrantes passam por cursos e treinamentos de capacitação
operacional".
O oficial afirmou ainda, que o
Comando Geral tem dado orientações permanentes aos policiais militares, na
tentativa de minimizar e até erradicar o número de delitos que, de alguma
maneira, envolva um integrante da Corporação. Segundo ele, o posicionamento
sobre o que deve ser feito em relação aos PMs detidos cometendo algum delito, é
agir com total isenção e sem corporativismo fazendo cumprir a Lei. O número de
policiais militares que respondem a procedimentos em 2014 não foram informados
pela CGD.
SAIBA MAIS
26 de julho de 2010 - Bruce
Cristian de Sousa Oliveira, de 14 anos, foi executado pelo PM, Yuri da Silveira
Alves Batista, na Aldeota
27 de janeiro de 2012 - O
professor Francisco Sávio Maia Sobrinho, foi morto pelo soldado Victor Hugo
Fernandes Cavalcante, em um motel no Jangurussu
26 de janeiro de 2013 - Ingrid
Mayara Oliveira Lima, 19; e Igor Andrade Lima, 16, foram mortos durante, no
Bairro Ellery. Os soldados José Raphael Olegário França e Raimundo Vieira da
Costa são acusados dos crimes
9 de fevereiro de 2014 -
Francisco Antônio Farias, o 'Chico Virado', foi achado morto, após ter discutido
com o PM Francisco Marcos Melo Felipe. O policial está preso, sob a suspeita da
morte
14 de fevereiro de 2014 - O
pedreiro Francisco Ricardo Costa de Souza, foi espancado e morto, no bairro
Maraponga. Por conta disto, os PMs José Milton Alves Maciel Júnior, Dennis
Bezerra Guilherme e Washington Martins da Silva, foram indiciados por homicídio
qualificado
1º de março de 2014 - A CGD
investiga a morte de Jonas Francisco Nogueira Lima, que foi espancado,
supostamente por militares, durante o Carnaval, na cidade de Beberibe
CGD: "crimes não ficarão
impunes"
No ano de 2013, 474 procedimentos
contra 737 agentes de segurança - incluindo policiais civis e militares,
bombeiros militares, peritos criminais e agentes penitenciários - foram
concluídos pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança
Pública e Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (CGD). Por conta destes
procedimentos, 73 servidores foram demitidos das Instituições nas quais
trabalhavam.
Em 2012, o número foi menor.
Foram 252 procedimentos concluídos, que desencadearam em 35 demissões. Nos dois
anos, a PM lidera o número de queixas dos denunciantes. Conforme a CGD, um dos
motivos para esse número é o maior contingente de militares nas ruas. "Os
PMs estão em maior número nas ruas; são eles que estão no corpo-a-corpo,
realizando a função de Polícia ostensiva; eles têm maior contato com a
população. Mesmo assim, guardando as proporções do tamanho das Corporações, o
número de procedimentos é parecido com o da Polícia Civil", afirmou o
controlador geral de disciplina, Santiago Amaral Fernandes.
Para Santiago, crime de nenhuma
natureza pode ser tolerado, se cometido por parte da Polícia. Os homicídios,
lesões corporais, corrupções, extorsões, entre outros estão sendo apurados,
segundo ele, com afinco para que nada passe despercebido.
"Espero que as ações
rigorosas que estão acontecendo na CGD diminuam gradativamente este tipo de
conduta por parte dos policiais. Sabendo que vai haver punição, com certeza
eles evitarão de cometer crimes e transgressões", alertou.
Para o controlador, é preciso que
a punição chegue aos culpados e que o corporativismo seja esquecido.
"Nossa missão é desagradável, afinal é um colega que está aqui para ser
julgado, mas é necessária. Onde não houver disciplina, controle, fiscalização,
haverá desordem e estímulo a desvios de conduta".
Pioneiro
O modelo da controladoria é
pioneiro no Brasil. Geralmente, o que existe são corregedorias vinculadas às
instituições que investigam. "O intuito de ser de uma controladoria, é ser
independente, não ter amarras. Fazemos um trabalho livre de beneficiar ou perseguir",
declarou Amaral. Os servidores da CGD são policiais militares, civis e agentes
penitenciários. Ao todo, 170 agentes estão à disposição do órgão. Ele diz que a
população é uma grande aliada neste trabalho ao fazer denúncias.
"Denunciem. Os crimes não ficarão impunes".
Diário do Nordeste - Márcia Feitosa (Repórter)
Nenhum comentário:
Postar um comentário