segunda-feira, 24 de março de 2014

APREENSÕES DE COCAÍNA CRESCEM 189% NO CEARÁ

O debate sobre as políticas e investimentos voltados para o problema das drogas tem ganhado maior atenção no Brasil. Leitos públicos de internação para dependentes, campanhas preventivas e centros de apoio às famílias estão entre as principais medidas, adotadas nacionalmente para tentar minimizar as consequências do uso. Apesar dos avanços, o caminho para a contenção do vício esbarra em um fator que parece passar despercebido pelo poder público: o controle do tráfico.

No Brasil, o consumo de cocaína despontou em menos de dez anos, ultrapassando a média mundial, segundo os dados divulgados, na semana passada, pelo Conselho Internacional de Controle de Narcóticos, ligado à Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com o levantamento, em 2005, 0,7% da população brasileira com idade entre 12 e 65 anos fazia uso da droga, enquanto, em 2011, o índice de usuários passou para 1,75%, frente à média mundial, que era de 0,4% da população.


No Estado do Ceará, o cenário se mostra ainda mais preocupante, tomando como base as apreensões de cocaína nos últimos oito anos. Em 2006, a Polícia Federal recolheu pouco mais de 390 kg da droga no Estado, enquanto em 2013, o total apreendido foi de 1.143,38 kg, contabilizando um crescimento de 189% nas apreensões. O aumento considerável mostra que maiores quantidades da droga estão em circulação no Estado e desvenda outra realidade: a popularização da cocaína.

Criminalidade

Para o titular da 5ª Vara de Infância e Juventude de Fortaleza, juiz Manuel Clístenes, a ampliação do acesso à droga é consequência do barateamento do preço da cocaína a partir da estratégia, utilizada pelos traficantes, de misturá-la a outras substâncias e fazer render mais. "Fermento, pó de mármore, talco, uma série de produtos em pó costumam ser adicionados à mistura, até mesmo anestésico dentário, para causar, no usuário, a mesma sensação da cocaína pura", explica o juiz.

Associada ao aumento do poder aquisitivo do brasileiro, a diminuição do preço fez com que a cocaína deixasse de ser a substância ligada ao vício das classes mais ricas e passasse a atingir, também, as camadas mais populares da sociedade. A explosão da cocaína, por volta de 2006, coincide com o aumento drástico dos índices de criminalidade.

"Os usuários não encontram condições financeiras para manter o vício e vão roubar, e até matar, para conseguir o que querem", explica o psicólogo especialista em Dependência Química e diretor da casa de recuperação Instituto Volta Vida (IVV), Inácio Diógenes.

O aumento da criminalidade está relacionado não apenas ao crescimento dos assaltos e furtos, mas também devido aos assassinatos por conta de dívidas por drogas e também por aluguel de armas.

No IVV há 15 anos, o psicólogo conta que, na maioria dos casos que chegam à instituição, a cocaína é o último estágio antes de o usuário provar o crack. A nova composição da cocaína, que vem misturada a outras substâncias, traz, ainda outros riscos à saúde dos usuários. "A rebordosa (sensação de mal estar causada pelo uso de algum entorpecente) é mais forte, aparece a depressão e aumentam os danos fisiológicos ao organismo, como complicações respiratórias a longo prazo", detalha.

Controle

As ações repressoras contra o tráfico, para Manuel Clístenes, não dão conta da real situação. "Falta, no mínimo, investimento no setor de inteligência das polícias. Como é que qualquer pessoa que chegar a uma praça pode comprar droga e a Polícia não consegue encontrar os traficantes?", questiona. Para o magistrado, outra medida que ajudaria a conter a venda da cocaína, e também de outras drogas, consiste em diferenciar os traficantes, na forma da lei, a partir do tipo de entorpecente que cada um movimenta.

"Quem vendesse substâncias mais pesadas, como a cocaína e o crack, teria penas mais rígidas e longas", explica. A mudança, segundo o juiz, ajudaria a Polícia a se concentrar na apreensão das drogas mais danosas.

O tratamento oferecido para os dependentes também é visto como incipiente pelo magistrado. "Só vamos ter condição de falar em melhora quando tivermos muitos leitos hospitalares tratando a dependência de forma médica, e não apenas com abstinência", opina.

Ações públicas para tratar o vício

Na esfera estadual, o tratamento para dependentes químicos tem grande suporte nas comunidades terapêuticas. "Hoje, temos, contratadas, 556 vagas nesses centros, e o número deve chegar a 800 ainda este ano", destaca a assessora Especial de Políticas Públicas Sobre Drogas, Socorro França.

De acordo com a assessoria, o governador do Estado ordenou a construção de um Centro de Desintoxicação e Reintegração Social, além disso, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) estão sendo estruturadas para também fazer a desintoxicação dos dependentes. As ações incluem, ainda, a capacitação de 14 mil agentes de saúde para campanhas preventivas contra as drogas e a criação de conselhos de políticas sobre drogas em cada município do Estado.

Em Fortaleza, a Prefeitura tem investido, por meio da Coordenadoria de Políticas sobre Drogas (CPDrogas), no Centro Integrado de Referência sobre Drogas, no Bairro de Fátima, e na Central de Atendimento 24h, que já acolheram, juntos, mais de quatro mil familiares e usuários de crack, álcool, cocaína e outras drogas.

Além dessas iniciativas, a CPDrogas promove ações educativas e de reinserção social dos dependentes, equipes de abordagem para buscar pessoas em situação de rua, articulações em comunidades e projetos de pesquisa para mapear o consumo.

Ingestão de álcool estimula o contato com a droga

Dentre as questões sociais e psicológicas que podem induzir o uso de drogas, especialmente cocaína, segundo os usuários, o consumo do álcool é porta de entrada mais comum para o vício. Difundidas especialmente entre os jovens, com forte apelo midiático, as bebidas alcoólicas têm acesso facilitado.

"O preço é muito baixo, um menor de idade praticamente não encontra barreiras para comprar, além disso, é uma questão cultural, uma espécie de afirmação da masculinidade", observa o psicólogo especialista em Dependência Química, Inácio Diógenes. De acordo com o psicólogo, existem projetos na Câmara e na Assembleia para proibir a publicidade desses produtos, mas nenhum avanço foi alcançado. "Não muda nada porque gera muito dinheiro, os comerciais de cerveja, por exemplo, estão entre os mais caros e elaborados", pontua.

Experiência

O uso associado de álcool e cocaína se justifica, segundo os usuários, para balancear os efeitos, já que a droga supostamente corta a sensação de letargia causada pela bebida. Foi assim com Jorge Damasceno, 54, dependente químico em recuperação, que vivenciou o consumo abusivo de álcool durante 35 anos, associado a outras substâncias ilícitas.

"Meu primeiro contato com bebida foi aos 13 anos, incentivado pelos primos, para vencer a timidez, em uma festa", recorda. Nascido em uma família de boas condições financeiras, Jorge desfrutava da liberdade de garoto em festas caras, nas quais circulavam muita bebida e diversos tipos de drogas.

Aos 23 anos, bebendo em uma roda de amigos, ele provou a cocaína, depois de já ter experimentado substâncias como a maconha, LSD, ecstasy e lança-perfume. "Quando eu percebi, o álcool me levou para outro ambiente: passei a usar cocaína todo dia, perdi tudo e fui morar na rua", conta. Em 2004, Jorge entrou para reabilitação, e, após recaídas e dificuldades para superar as abstinências, se tornou voluntário no tratamento para dependentes químicos. Hoje, quando palestra em escolas ou centros de recuperação, ele alerta para que outros não tomem o mesmo caminho: "A droga dá prazer, mas é uma sensação imediata, quando o efeito passa, você não consegue mais ter família, emprego, nada", relata.

Diário do Nordeste Jéssica Colaço (Repórter)

Nenhum comentário:

Postar um comentário