Dos municípios com nível grave de
problemas com a circulação do crack, 24 alegaram possuir programas de combate à
droga
Cravando raízes na miséria das
periferias, invisível aos olhos do Poder Público, o crack foi, aos poucos,
marcando seu território no Brasil. Em cerca de 20 anos, período transcorrido
após a primeira apreensão da droga no País, em 1990, a substância - de efeito
intenso, preço baixo e fácil acesso - foi angariando usuários em todas as
classes sociais, idades e sexos. Transformou-se no narcótico mais consumido e
vendido nos Estados, circulando desde os conturbados centros urbanos até as
regiões mais remotas.
Sua forte capacidade de
disseminação sem combate e prevenção fez com que a droga, derivada da cocaína
porém cinco vezes mais potente, chegasse a quase todas as cidades brasileiras.
A informação é da Confederação Nacional de Municípios (CMN), que mantém o
Observatório do Crack, mapeamento da substância em toda a superfície do País.
No Ceará, a pesquisa investigou a situação do consumo em 154 dos 184 municípios
e constatou a circulação do entorpecente em 139 deles. Cerca de 75,5% do Estado
tem a presença do crack.
O nível de problemas relacionados
à presença da droga nas localidades foi classificado em grave, médio ou baixo.
Segundo a pesquisa, 33 municípios apresentam sérios distúrbios causados por
conta da propagação do tóxico. Dentre eles, lugares cuja população não chega a
5 mil habitantes, como, por exemplo, Guaramiranga, a cerca de 110 km da
Capital. Outras 73 cidades estão entre os pontos com danos em escala média,
entre elas Fortaleza, e as restantes, em grau baixo.
Na lista dos locais mais
prejudicados pelo crack está a cidade de Russas, na região do Jaguaribe. Lá, a
substância chegou há, pelo menos, uma década, época em que o hoje desempregado
M.F, de 41 anos, teve seu primeiro contato. Até então, a droga ainda não era
muito popular na cidade. Apenas os usuários mais antigos já haviam
experimentado. De efeito rápido e proporcionando uma forte sensação de prazer,
não demorou muito para que a "pedra", como é conhecida, começasse a
fazer dependentes. Ele, inclusive.
Atualmente em tratamento, M.F.
Diz que agora consegue ver a degradação causada pelo crack no município. Devido
à grande procura, ele conta que o tráfico na região se intensificou e, em
paralelo, a criminalidade atingiu índices nunca antes vistos. "O cenário,
hoje, é horrível. A droga está destruindo tudo, acabando com as famílias. Tem
pessoas de todas as idades, sexos e classes sociais viciadas e, a cada semana,
pelo menos duas morrem por causa do tráfico", relata.
Acesso fácil
Para Luiz Favaron, assistente
social e secretário do Centro de Recuperação Mão Amiga (Crema), comunidade
terapêutica que atua no município de Maracanaú, outra localidade onde o crack
já atingiu nível grave de problemas, a própria droga tem características que
favorecem sua propagação. Fatores como o baixo custo, a facilidade de compra e
o forte efeito contribuíram para atrair novos usuários e, assim, possibilitaram
o maior alcance da substância.
Em cinco anos de funcionamento, a
instituição já atendeu cerca de 550 pessoas, tanto de Fortaleza como de
municípios menores. Hoje, 35 dependentes estão em tratamento e, por conta da
alta demanda, constantemente há lista de espera. "A maioria começa a usar
drogas muito cedo, impulsionados pela curiosidade e por antecedentes familiares
Juntos às questões sociais, como por exemplo a desigualdade na distribuição de
renda, isso fez aumentar a violência, o número de pessoas em situação de rua e
outros problemas", diz Favaron.
Segundo Rossana Brasil,
presidente da Comissão de Política Pública sobre Drogas da Ordem dos Advogados
do Brasil Ceará (OAB-CE) e coordenadora de Políticas Públicas sobre Drogas do
município de São Gonçalo do Amarante, o crack está saindo da Capital para os
municípios do Interior, entrando nos pequenos distritos e invadindo até mesmo
as lavouras, onde, conforme ela, a presença da substância é cada vez maior. Na
ausência de ações públicas preventivas e repreensivas, e de uma rede de
assistência eficiente, a droga encontra brechas para fincar raízes e se
espalhar, angariando um número crescente de usuários.
Assistência precária
De acordo com o levantamento, dos
33 municípios com nível grave de problemas relacionados à circulação do crack,
24 alegaram possuir programas de combate à droga. Já outros sete não confirmam
a existência de um projeto de ações e uma cidade, Apuiarés, localizada na
região Norte do Estado, não possui qualquer conjunto de estratégias definidas
para lutar contra a disseminação da substância.
Em relação à atuação de Centros
de Atenção Psicossocial (CAPs), conforme dados da Secretaria de Saúde do Estado
do Ceará (Sesa), pouco mais da metade dessas localidades - 17, no total -
contam com o equipamento. "O crack está virando uma espécie de epidemia e
não há políticas públicas nem projetos para impedir. São poucos os municípios
que têm real comprometimento com a causa. Mesmo com os programas, os prefeitos
e gestores ainda não estão compactuados para resolver o problema da
drogadição", critica Rossana Brasil.
Luiz Favaron ressalta, ainda, a
insuficiência do trabalho realizado por meio dos Caps e das comunidades
terapêuticas no Ceará. "O tratamento no Caps é deficitário tanto em termos
de quantidade como de qualidade. Já trabalhei nos centros de atenção e sei da
dificuldade de recursos materiais, de viaturas, de funcionários.
Além disso, os convênios com as
comunidades não conseguem absorver a demanda e grande parte dos municípios, por
não ter conselho municipal sobre drogas, não pode receber recursos
federais", afirma.
Prevenção é desafio
Socorro França, titular da Assessoria
Especial de Políticas Públicas Sobre Drogas, do Governo do Estado, afirma que,
para combatera dependência química e a disseminação do crack e outras
substâncias pelo Ceará, é imprescindível um conjunto de ações integradas, com
foco na prevenção. No entanto, ela reconhece que a estrutura de apoio
existente, hoje, nos municípios não é ideal. "Trabalhar com dependência é
complexo. Temos toda uma cadeia formada para o atendimento, mas ela ainda não
está do jeito que gostaríamos. Temos que manter massivamente programas de
proteção e estamos cobrando isso dos prefeitos em termos de compromisso",
diz.
Verbas
Socorro reitera que o Estado está
trabalhando na capacitação de 16 mil agentes de saúde e auxiliares de
enfermagem para lidarem com os usuários e realizarem atividades preventivas. A
assessoria também planeja a construção de um Centro de Desintoxicação e a
abertura de cerca de 80 leitos de internação em Fortaleza.
Nesta semana, o Ministério da
Saúde liberou R$ 2 milhões em recursos para fortalecer a rede de atenção
psicossocial nos municípios de Pacoti, Mulungu, Itapiúna, Baturité, Horizonte e
Granja. A verba deve ser utilizada em Caps, leitos clínicos e outros equipamentos.
Diário do Nordeste - Vanessa
Madeira Repórter
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