segunda-feira, 8 de setembro de 2014

60,5% DAS MORTES REGISTRADAS NO ESTADO SÃO ENTRE OS JOVENS

"Garoto de 12 anos morre após ser baleado enquanto jogava bola em um campo de futebol no bairro Vicente Pinzón. O alvo era um jovem de 18 anos, que também foi baleado, recebeu atendimento médico e foi liberado em seguida. A principal linha de investigação aponta que o caso está relacionado a disputas de território motivadas pelo tráfico de drogas". A notícia veiculada nas manchetes de jornais em 14 de agosto ilustra bem o perfil das pessoas que estão sendo vítimas de homicídios no Ceará.

Em dez anos, o número de pessoas assassinadas em todo o Estado mais do que duplicou. Foram 1.443 em 2002, saltando para 3.840 em 2012, o que representa crescimento de 166,1% e a elevada média de dez pessoas mortas por dia. O aumento nos casos de homicídios está bem acima da média do País e do Nordeste, de 13,4% e 91,5%, respectivamente.

Dos assassinatos registrados em 2012, chama a atenção que 60,5% (2.325) foram entre jovens de 15 e 29 anos. Os negros são as principais vítimas. Eles constituíram 88,5% (3.402) dos homicídios de 2012. Entre os jovens, o índice é maior: 90,1%. Foram 2.325 assassinatos, dos quais 2.095 eram negros. Os dados são do Mapa da Violência 2014 - Jovens do Brasil.

Alarmante

Neste ano, 2.678 pessoas morreram vítimas de crimes violentos no Ceará entre os meses de janeiro e julho, conforme informações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Os dados são alarmantes, prova disso é que, no ano passado, a cada dois mil cearenses, um foi assassinado. O Estado registrou taxa de homicídios de 50,83 para 100 mil habitantes, índice quase cinco vezes maior que o registrado no estado de São Paulo, cuja taxa foi de 10,50. Com uma população de 8,7 milhões de habitantes, o Ceará registrou 4.462 homicídios no ano passado, enquanto São Paulo, cuja população é formada por 43,6 milhões de pessoas, registrou 4.444 mortes.

Muito mais do que números, trata-se de vidas que foram ceifadas precocemente. Professora há 12 anos das redes municipal e estadual de ensino no bairro Antônio Bezerra, Magna Lup contabiliza, consternada, a quantidade de alunos que já perdeu vítimas de homicídios. Foram seis somente neste ano, todos relacionados com a questão das drogas.

"Quando alguém diz que fulano está 'empescoçado' é porque está jurado de morte", explica, demonstrando certa familiaridade com o linguajar que os alunos utilizam em sala de aula. Para além do conteúdo programático que precisa lecionar, Magna cria uma relação afetiva com os meninos e, quando algum é morto, costuma ir ao enterro.

"Atravesso a cidade inteira para ir ao enterro de um aluno. Tenho por eles a mesma consideração que eu tenho por um amigo", frisa. Quando tem um que começa a faltar demais, logo vai atrás de saber o que aconteceu.

O caso mais emblemático que vivenciou foi o de Roger (nome fictício). Com apenas 15 anos, o menino foi assassinado próximo à escola. Magna conta que ele costumava dar trabalho. Chegou, inclusive, a ser suspenso várias vezes, até que o colocaram no turno da tarde para ver se o seu comportamento melhorava.

Como não teve mudança, acabou sendo transferido de novo, dessa vez para o turno da noite, que concentra alunos mais responsáveis - pois trabalham durante o dia. Mas, como não tinha como repor aula, Roger não poderia faltar. Por isso, sempre que tinha um compromisso, ia na escola dar uma satisfação à Magna, atenção que não tinha com os demais professores.

"Ele não passou cinco meses envolvido com essa história da droga. Eu cheguei um dia na escola e a diretora pediu para eu sentar, tomar uma água e me disse que tinham matado o Roger. Quase eu caio dura. Estava sentindo ele longe da escola, mas não sabia que estava envolvido com drogas. Se soubesse, teria tentado conversar com ele", lamenta, frustrada, com o sentimento de que poderia ter feito algo para tentar mudar o triste desfecho da vida do aluno.

Ociosidade

A mãe e o pai de Roger, como passam o dia inteiro fora de casa trabalhando, não tinham com quem deixar o menino e as outras duas filhas. "A família dele é direita, os pais são batalhadores, mas, quando eles iam trabalhar, os filhos ficavam sozinhos. Esses meninos foram criados assim. É um 'expediente' na escola e o outro na rua. É a regra da rua. Imagine uma mãe dessas que depois de um dia inteiro de trabalho chega em casa de noite, cansada, não tem mais estrutura física de ir atrás do filho", observa.

Outro fator que Magna cita como agravante é o forte apelo ao consumismo. Como querem estar na moda e com o celular de última tecnologia, muitos acabam se envolvendo com o tráfico de drogas e praticando assaltos, para conseguirem dinheiro rápido e fácil. O caminho, no entanto, quase sempre é sem volta.

"O que me choca é a banalidade, a naturalidade que contam as mortes. Eles narram os assassinatos como quem narra um filme. Para eles, a morte é uma coisa muito natural. É como se fosse um êxtase. Não de alegria, mas também não de pavor, de medo", diz. Na visão de Magna, uma possível saída para reduzir os altos índices de criminalidade na Capital seria colocar esses meninos e meninas nos dois turnos na escola. Dessa forma, enquanto os pais tivessem de sair para trabalhar, não ficariam ociosos.

Enquanto dá aula para os mais novos, de 8 a 12 anos, às vezes se paga olhando para um deles. Mas, em vez de imaginar como será o seu futuro, a sua principal preocupação é para que não se torne um criminoso. "Só quero protegê-lo. Por serem criados como os irmãos mais velhos, tios, já têm um linguajar do crime, desenham revólveres. São as referências que eles têm. No recreio eles brincam de bandido, cobrindo o rosto", lamenta.

Polícia sozinha não vai resolver o problema

Ricardo Romagnoli, diretor da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) esclarece que vem sendo realizado um trabalho incessante visando reduzir os índices de homicídio no Ceará. Ele informa que os municípios cearenses estão sendo acompanhados diariamente para que o Estado possa, através de um mapeamento, visualizar quais crimes estão sendo praticados e os locais mais críticos para, a partir daí, o trabalho ser desenvolvido de forma focada.

Conforme o diretor adjunto, a questão da droga está entre as causas que mais motiva esses homicídios. Nesse sentido, a diretriz que vem sendo seguida é a da integração. "Como é que a gente vai trabalhar com essa questão sem se integrar com a delegacia de narcóticos? Estamos atuando também com a Delegacia de Roubos e Furtos, porque a gente sabe que muitas vezes essas mortes são motivadas pela necessidade da pessoa adquirir a droga", afirma.

O trabalho é integrado ainda com outras delegacias e distritos dos bairros onde acontecem os maiores índices de homicídios, integrado também com a Polícia Militar, que auxilia nas ações. "Não são uma, duas, três ou dez prisões que vão diminuir o nosso ritmo de trabalho, ele é incessante, com troca de informações com outras delegacias", frisa.

Prisões

Romagnoli acrescenta que vêm sendo realizadas prisões importantes de homicidas em áreas já conhecidas da cidade pelos altos índices de assassinatos, a exemplo do Bom Jardim e Genibaú. Contudo, apesar de serem prisões importantes e que contribuem para a queda do número de homicídios, o diretor enfatiza que essa redução não é algo que vai ocorrer da noite para o dia.

Mesmo reconhecendo que não é justificativa, Romagnoli afirma que o aumento do número de homicídios é um problema nacional que envolve diversos fatores, entre eles a desigualdade social, o tráfico de drogas e a desestrutura familiar, que considera um fator muito importante.

"Não é só a polícia que vai resolver esse problema. A estrutura familiar pode ser a base de tudo. É importante investir e trabalhar no sentido de dar uma maior estrutura à família, o que envolve a criação, escolaridade e outros fatores. Dessa forma, a criança tem como se desenvolver com princípios familiares. É preciso atuar na base, na estrutura familiar, no afastamento das drogas. Isso tudo vai influenciar nesse processe de redução dos índices de homicídios, conjuntamente com a polícia", defende.

 DIÁRIO DO NORDESTE - Luana Lima Repórter (Foto: Kid Júnior)

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