"Garoto de 12 anos morre após ser baleado enquanto
jogava bola em um campo de futebol no bairro Vicente Pinzón. O alvo era um
jovem de 18 anos, que também foi baleado, recebeu atendimento médico e foi
liberado em seguida. A principal linha de investigação aponta que o caso está
relacionado a disputas de território motivadas pelo tráfico de drogas". A
notícia veiculada nas manchetes de jornais em 14 de agosto ilustra bem o perfil
das pessoas que estão sendo vítimas de homicídios no Ceará.
Em dez anos, o número de pessoas assassinadas em todo o
Estado mais do que duplicou. Foram 1.443 em 2002, saltando para 3.840 em 2012,
o que representa crescimento de 166,1% e a elevada média de dez pessoas mortas
por dia. O aumento nos casos de homicídios está bem acima da média do País e do
Nordeste, de 13,4% e 91,5%, respectivamente.
Dos assassinatos registrados em 2012, chama a atenção que
60,5% (2.325) foram entre jovens de 15 e 29 anos. Os negros são as principais
vítimas. Eles constituíram 88,5% (3.402) dos homicídios de 2012. Entre os
jovens, o índice é maior: 90,1%. Foram 2.325 assassinatos, dos quais 2.095 eram
negros. Os dados são do Mapa da Violência 2014 - Jovens do Brasil.
Alarmante
Neste ano, 2.678 pessoas morreram vítimas de crimes violentos
no Ceará entre os meses de janeiro e julho, conforme informações da Secretaria
da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Os dados são alarmantes, prova
disso é que, no ano passado, a cada dois mil cearenses, um foi assassinado. O
Estado registrou taxa de homicídios de 50,83 para 100 mil habitantes, índice
quase cinco vezes maior que o registrado no estado de São Paulo, cuja taxa foi
de 10,50. Com uma população de 8,7 milhões de habitantes, o Ceará registrou
4.462 homicídios no ano passado, enquanto São Paulo, cuja população é formada
por 43,6 milhões de pessoas, registrou 4.444 mortes.
Muito mais do que números, trata-se de vidas que foram
ceifadas precocemente. Professora há 12 anos das redes municipal e estadual de
ensino no bairro Antônio Bezerra, Magna Lup contabiliza, consternada, a
quantidade de alunos que já perdeu vítimas de homicídios. Foram seis somente
neste ano, todos relacionados com a questão das drogas.
"Quando alguém diz que fulano está 'empescoçado' é
porque está jurado de morte", explica, demonstrando certa familiaridade
com o linguajar que os alunos utilizam em sala de aula. Para além do conteúdo
programático que precisa lecionar, Magna cria uma relação afetiva com os
meninos e, quando algum é morto, costuma ir ao enterro.
"Atravesso a cidade inteira para ir ao enterro de um
aluno. Tenho por eles a mesma consideração que eu tenho por um amigo",
frisa. Quando tem um que começa a faltar demais, logo vai atrás de saber o que
aconteceu.
O caso mais emblemático que vivenciou foi o de Roger (nome
fictício). Com apenas 15 anos, o menino foi assassinado próximo à escola. Magna
conta que ele costumava dar trabalho. Chegou, inclusive, a ser suspenso várias
vezes, até que o colocaram no turno da tarde para ver se o seu comportamento
melhorava.
Como não teve mudança, acabou sendo transferido de novo,
dessa vez para o turno da noite, que concentra alunos mais responsáveis - pois
trabalham durante o dia. Mas, como não tinha como repor aula, Roger não poderia
faltar. Por isso, sempre que tinha um compromisso, ia na escola dar uma
satisfação à Magna, atenção que não tinha com os demais professores.
"Ele não passou cinco meses envolvido com essa história
da droga. Eu cheguei um dia na escola e a diretora pediu para eu sentar, tomar
uma água e me disse que tinham matado o Roger. Quase eu caio dura. Estava
sentindo ele longe da escola, mas não sabia que estava envolvido com drogas. Se
soubesse, teria tentado conversar com ele", lamenta, frustrada, com o
sentimento de que poderia ter feito algo para tentar mudar o triste desfecho da
vida do aluno.
Ociosidade
A mãe e o pai de Roger, como passam o dia inteiro fora de
casa trabalhando, não tinham com quem deixar o menino e as outras duas filhas.
"A família dele é direita, os pais são batalhadores, mas, quando eles iam
trabalhar, os filhos ficavam sozinhos. Esses meninos foram criados assim. É um
'expediente' na escola e o outro na rua. É a regra da rua. Imagine uma mãe
dessas que depois de um dia inteiro de trabalho chega em casa de noite,
cansada, não tem mais estrutura física de ir atrás do filho", observa.
Outro fator que Magna cita como agravante é o forte apelo ao
consumismo. Como querem estar na moda e com o celular de última tecnologia,
muitos acabam se envolvendo com o tráfico de drogas e praticando assaltos, para
conseguirem dinheiro rápido e fácil. O caminho, no entanto, quase sempre é sem
volta.
"O que me choca é a banalidade, a naturalidade que
contam as mortes. Eles narram os assassinatos como quem narra um filme. Para
eles, a morte é uma coisa muito natural. É como se fosse um êxtase. Não de
alegria, mas também não de pavor, de medo", diz. Na visão de Magna, uma
possível saída para reduzir os altos índices de criminalidade na Capital seria
colocar esses meninos e meninas nos dois turnos na escola. Dessa forma,
enquanto os pais tivessem de sair para trabalhar, não ficariam ociosos.
Enquanto dá aula para os mais novos, de 8 a 12 anos, às vezes
se paga olhando para um deles. Mas, em vez de imaginar como será o seu futuro,
a sua principal preocupação é para que não se torne um criminoso. "Só
quero protegê-lo. Por serem criados como os irmãos mais velhos, tios, já têm um
linguajar do crime, desenham revólveres. São as referências que eles têm. No
recreio eles brincam de bandido, cobrindo o rosto", lamenta.
Polícia sozinha não vai resolver o problema
Ricardo Romagnoli, diretor da Divisão de Homicídios e
Proteção à Pessoa (DHPP) esclarece que vem sendo realizado um trabalho
incessante visando reduzir os índices de homicídio no Ceará. Ele informa que os
municípios cearenses estão sendo acompanhados diariamente para que o Estado
possa, através de um mapeamento, visualizar quais crimes estão sendo praticados
e os locais mais críticos para, a partir daí, o trabalho ser desenvolvido de
forma focada.
Conforme o diretor adjunto, a questão da droga está entre as
causas que mais motiva esses homicídios. Nesse sentido, a diretriz que vem
sendo seguida é a da integração. "Como é que a gente vai trabalhar com
essa questão sem se integrar com a delegacia de narcóticos? Estamos atuando
também com a Delegacia de Roubos e Furtos, porque a gente sabe que muitas vezes
essas mortes são motivadas pela necessidade da pessoa adquirir a droga",
afirma.
O trabalho é integrado ainda com outras delegacias e
distritos dos bairros onde acontecem os maiores índices de homicídios, integrado
também com a Polícia Militar, que auxilia nas ações. "Não são uma, duas,
três ou dez prisões que vão diminuir o nosso ritmo de trabalho, ele é
incessante, com troca de informações com outras delegacias", frisa.
Prisões
Romagnoli acrescenta que vêm sendo realizadas prisões
importantes de homicidas em áreas já conhecidas da cidade pelos altos índices
de assassinatos, a exemplo do Bom Jardim e Genibaú. Contudo, apesar de serem
prisões importantes e que contribuem para a queda do número de homicídios, o diretor
enfatiza que essa redução não é algo que vai ocorrer da noite para o dia.
Mesmo reconhecendo que não é justificativa, Romagnoli afirma
que o aumento do número de homicídios é um problema nacional que envolve
diversos fatores, entre eles a desigualdade social, o tráfico de drogas e a
desestrutura familiar, que considera um fator muito importante.
"Não é só a polícia que vai resolver esse problema. A
estrutura familiar pode ser a base de tudo. É importante investir e trabalhar
no sentido de dar uma maior estrutura à família, o que envolve a criação,
escolaridade e outros fatores. Dessa forma, a criança tem como se desenvolver
com princípios familiares. É preciso atuar na base, na estrutura familiar, no
afastamento das drogas. Isso tudo vai influenciar nesse processe de redução dos
índices de homicídios, conjuntamente com a polícia", defende.
DIÁRIO DO NORDESTE - Luana Lima Repórter (Foto: Kid Júnior)
Nenhum comentário:
Postar um comentário