O sonho de
uma vida, interrompida de maneira covarde, seja por um relacionamento que se
tornou perigoso, vingança ou os mais diversos motivos. As mulheres têm sofrido
os impactos da violência no Ceará e perdido a vida na guerra invisível que
ceifa vidas no Estado. De acordo com o Observatório da Violência Contra a
Mulher, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o Ceará é o 6º no ranking de
mortes de mulheres. Em 2014, a taxa de homicídios é maior que no ano de 2013.
Em dados
ainda não oficiais da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS),
o ano de 2014 registrou um aumento de cerca de 24% no número de mulheres mortas
vítimas dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) no Ceará em relação ao
ano anterior. Alguns homicídios com requintes de crueldade se aplicariam aos
capítulos mais horrendos da humanidade.
Mortes
evitáveis
Apesar da
criação da ‘Lei Maria da Penha’, vigente há oito anos, centenas de mulheres
continuam sendo mortas no Ceará. Esses crimes poderiam ser evitados, já que o
número de denúncias contra agressões e ameaças também tem aumentado, segundo
indica levantamento realizado pelo Observatório da Violência Contra a Mulher
(Observem), da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
De acordo
com a assistente social e coordenadora do Observem, Maria Helena de Paula
Frota, a Lei Maria da Penha foi uma conquista, porém, apesar do aumento no
número de denúncias, há contradições, pois os homicídios contra mulheres
continuam elevados.
Conforme
dados ainda não consolidados da SSPDS, até o fim de 2014, ao menos 266 mulheres
foram assassinadas em todo o Estado. O número supera a marca do ano de 2013, em
que 214 vítimas registradas. Diariamente, a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)
de Fortaleza recebe, em média, 100 denúncias. Em contrapartida, segundo a
SSPDS, o número de registros de violência com base na Lei Maria da Penha caiu
5,1% neste ano em relação a 2013.
6º mais
violento
As pesquisas
do Observem dão conta de que o Ceará ocupa, atualmente, o 6º lugar entre os
estados onde mais morrem mulheres no País. No Nordeste, fica em 3º lugar.
Conforme Maria Helena, os crimes praticados são a maioria motivados por
machismo, como ocorre em crimes de trânsito, em que o homem se impõe sobre a
mulher, e os crimes passionais, quando a mulher é vitimada por evitar manter um
relacionamento e o ‘ex’ torna-se assassino. Essa realidade não exclui, porém, a
crescente participação de mulheres no mundo da criminalidade. Algumas terminam
por pagar seus vícios com a vida.
Segundo a
pesquisadora Maria Helena, a criação da Lei não tem garantido segurança das
vítimas. “Quando uma mulher é morta, a sociedade perde, principalmente, quando
ela é mãe e deixa os filhos órfãos”. Helena acrescenta que quando a mulher
denuncia espera amparo para evitar que o agressor volte a se aproximar.
Dentre os
últimos casos de assassinatos de mulheres no Ceará, um mais recente ganhou
repercussão internacional. A turista italiana Gaia Barbara Molinari, 29, foi
assassinada em um dos principais cartões-postais do País. Gaia atravessou o
oceano e foi mais uma vítima da violência no Ceará. Seu corpo foi encontrado
sem vida, tendo como cenário fúnebre o caminho para a Pedra Furada, na praia de
Jericoacoara, município de Jijoca, a 287 quilômetros da Capital. A rosto de
sorriso delicado deu lugar a desfiguração e hematomas.
Gaia foi
àquela cidade passar o Natal com Mirian França de Melo, turista carioca. Estava
hospedada em um hostel, em Fortaleza. Veio ao Brasil trabalhar em causas
humanitárias. Foi morta por asfixia mediante estrangulamento. Seus pulsos
apresentavam marcas, como se a estrangeira tivesse sido amarrada. O ato cruel
ainda não foi elucidado pela Polícia, que permanece nas investigações.
Mirian,
amiga de Gaia, está presa, recolhida na Delegacia de Capturas e Polinter
(Decap), na Capital, suspeita de participação no crime. Pelo menos um outro
suspeito ainda é investigado, mas não teve o nome divulgado.
Invisíveis
Gaia,
europeia, morta em área turística, é um nome, dentre outros muitos que deixaram
de existir no Ceará em 2014. Faz parte da estatística que tem, na maioria,
mulheres jovens, pobres, da periferia. Números para se lamentar. Nomes não
lembrados.
Há outros
casos, como o da adolescente Francisca Micaeli Albuquerque Oliveira, de apenas
16 anos. No limite entre os bairros Canindezinho e Jardim Fluminense, a garota
foi executada por dois homens na noite de 30 de dezembro. Segundo relatos,
teria sido atraída por uma amiga para o local onde os executores a aguardavam.
Micaeli, apesar da pouca idade, já era suspeita de participação em um
homicídio. E tão cedo, sem chance de buscar uma outra alternativa de viver,
teve sua história interrompida de maneira violenta por ter trilhado um caminho
supostamente sem volta. Ainda assim, uma vida a menos, uma mulher a menos, um
número a mais.
Naquela
mesma noite, Fabíola da Silva Pereira, de 19 anos, também foi morta a tiros, no
Conjunto Renascer. Segundo a Polícia, a mulher era usuária de drogas e a morte
teria sido por dívidas contraídas junto a um traficante. Pagou o vício com a
vida.
Violência
doméstica
Há ainda
aquelas que, sob a alegação do amor, acabam vitimizadas. Sofrimento no corpo e
na alma, quando a agressão parte de quem divide o teto, os filhos e uma parte
da história. Foi o caso da agricultora Ana Maria de Sousa, que teve 80% do
corpo queimado em uma agressão do companheiro, em 28 de setembro, no Crato. Ela
passou quase um mês internada no Instituto Doutor José Frota (IJF), no Centro
de Fortaleza. Segundo os vizinhos, o casal teve uma discussão durante a noite
e, em determinado momento, o homem mandou os cinco filhos deixarem a casa. Em
seguida, incendiou a esposa e o imóvel. Ana Maria morreu em 21 de outubro.
Em
Fortaleza, no Conjunto Ceará, no dia 3 de agosto, Beatriz Cândido da Silva foi
queimada pelo namorado, identificado como Ivan Thiago dos Santos Lima, 22. Após
ser preso, ele confessou o crime.
Familiares
de Beatriz disseram, à época, acreditar que Ivan tenha matado a namorada devido
a ciúmes. Por amor, ou pela falta dele, a jovem teve a vida ceifada pelo
indivíduo com quem havia apenas dois meses mantinha relacionamento.
DIÁRIO DO
NORDESTE - Levi de Freitas Repórter (Colaborou: Sara Sousa)
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