Iguatu / Fortaleza. O Semiárido
brasileiro é caracterizado climaticamente pela baixa umidade e distribuição
irregular das precipitações, com períodos chuvosos e secos e a possibilidade de
sucessivos anos de estiagem. Por outro lado, a sua gente tem formação católica
e apresenta marcante viés na religiosidade popular. Essa realidade favoreceu
uma forte crença nos santos para socorrer os que estão na terra. São José,
padroeiro do Ceará, é popular e cheio de devotos pelo Sertão adentro. Homens e
mulheres rezam dias e noites pedindo chuva.
> Fé em São José ajuda a
superar os momentos mais difíceis
Quando os anos ficam escassos de
chuva, aumentam as preces e o sertanejo fortalece a sua fé, apelando ao padroeiro.
O Sertão cearense vivenciou três anos seguidos de pluviometria abaixo da média
e a atual quadra chuvosa dá sinais de que será mais um período aquém do
necessário. A quem apelar? Em sua experiência e sabedoria popular, o agricultor
sabe que os homens tardam em apresentar soluções, políticas públicas eficazes.
Resta-lhes, portanto, dirigir preces ao céu para que derrame água com
abundância e melhore a vida na terra.
Provedor
Patrono da Igreja Católica, pai
adotivo de Jesus, trabalhador, exemplo de chefe de família. Essas são algumas
representações de São José no imaginário dos fiéis, que ganharam força com a
sua retratação, em diversos períodos da história, como o santo provedor da
família. No Nordeste, principalmente no Ceará, a devoção a São José destaca-se
por completar, juntamente com Santa Luzia (festejada no dia 13 de dezembro) e
São Sebastião (20 de janeiro), a trilogia dos santos que intercedem junto a
Deus para mandar chuva, sinônimo de fartura na mesa dos nordestinos.
São muitas as demonstrações de
fé, de celebrações de novenário, de missas, procissões em louvor a São José nas
cidades, nos distritos e nas vilas rurais dos municípios cearenses. Na
localidade de Baú, zona rural do município de Iguatu, na região Centro-Sul do
Ceará, os devotos não se cansam de rezar e renovar preces ao padroeiro do
Estado. Lá não se celebra um novenário, mas um trinário, ou seja, são 31 dias
de cânticos e orações na capelinha, durante todo este mês. São 119 anos de fé e
devoção.
Além de um extenso período de
celebrações, que foge ao que é comum às demais festas de padroeiro, as
"novenas" no Baú mantêm um rito tradicional, em que os homens cantam
os versos de uma oração antiga de São José (já até esquecida pela Igreja) e as
mulheres respondem, em estilo de benditos. "São José é o nosso guia para a
boa aventurança", diz um trecho da oração.
A devoção se mantém firme e, a
cada noite, mulheres que cuidaram da lida de casa e os homens que passaram o
dia na roça ocupam os bancos da capela para agradecer, renovar preces, cantar e
rezar para o santo padroeiro. No centro das orações, como é de costume, os
pedidos de chuva, de um bom "inverno".
Mito
A ciência desmistifica a crença
sertaneja, ao afirmar que o dia 19 nada tem a ver com o "inverno".
"Se chover nessa data, não significa que haverá boas chuvas nos meses
seguintes", afirma o meteorologista da Fundação Cearense de Meteorologia e
Recursos Hídricos (Funceme), Raul Fritz. Ele explica que esse é o período em
que os raios solares são mais intensos no Nordeste, principalmente no Ceará,
por estar mais próximo à linha do Equador. Isso acontece um pouco antes do dia
20 de março, data que marca o Equinócio, ou até alguns dias depois. É nesse
mesmo período que ocorrem as mudanças de estação nos hemisférios. No Hemisfério
Norte inicia a primavera; e no Sul, o outono. Em setembro, ocorre o inverso.
Profecias
A incerteza, a cada ano, se
haverá ou não "inverno" no Sertão cearense alimenta, entre os
agricultores, a busca por indicações da natureza para se saber se as chuvas
serão abundantes, tardias ou irregulares e escassas. Aqueles que observam as
plantas, animais, ventos, nuvens e fazem experiências místicas são conhecidos
por "profetas das chuvas". Eles guardam e transmitem conhecimentos
empíricos adquiridos dos antepassados. Além da natureza, esses profetas
baseiam-se em sonhos, rituais religiosos, crenças indígenas. Essas práticas,
enraizadas na cultura nordestina, são transmitidas oralmente, de geração em
geração.
Este caderno especial, com
enfoque na fé e nas chuvas, publicado em data tão significativa, abre uma série
especial sobre água no Ceará, que se estende até o próximo domingo, quando se
comemora o Dia Mundial da Água.
DIÁRIO DO NORDESTE: Honório
Barbosa / Maristela Crispim Repórter / Editora
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