A polêmica discussão sobre o agravamento das punições de
adolescentes que cometem atos infracionais ganhou mais um capítulo, ontem, com
a aprovação, na Câmara dos Deputados, da proposta de redução da maioridade
penal de 18 para 16 anos. O texto, validado por comissão especial, determina
que, nos casos de crimes graves ou hediondos, pessoas de 16 e 17 anos serão
punidas pelo Código Penal, ao contrário do que estabelece o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA).
Para entrar em vigor, o projeto ainda precisa passar pelo
plenário da Câmara e, depois, pelo Senado. No entanto, a possibilidade de
mudança já divide opiniões, repercutindo negativamente entre entidades de
defesa dos direitos dos adolescentes e positivamente entre os que alegam a
necessidade de maior rigor nas penalidades.
De acordo com a proposta, a redução da maioridade deve valer
para os adolescentes que cometerem crimes hediondos (como latrocínio, estupro e
sequestro), homicídios dolosos (com intenção de matar), tráfico de drogas,
lesão corporal grave, lesão corporal seguida de morte, e roubo qualificado (com
uso de arma, participação de mais de uma pessoa, ou quando a vítima sobre lesão
ou morre). Aqueles que forem condenados serão encaminhados para unidades
prisionais separadas das que abrigam maiores de 18 anos.
Para a coordenadora do Centro de Defensa da Criança e do
Adolescente do Ceará (Cedeca), Talita Maciel, o projeto segue um discurso
equivocado que associa a redução da maioridade penal à redução da violência.
Para ela, uma das consequências imediatas será o agravamento da superlotação e
da ineficiência do sistema prisional.
"A situação do sistema, hoje, já é caótica, com muita
violência, muita falta de dignidade. Quanto mais adolescentes forem
encarcerados, maior será a violência, porque não há condições de um jovem
entrar nessa realidade e sair ressocializado", afirma a coordenadora do
Cedeca. "Muito se diz sobre o ECA ser falho, mas a verdade é que o sistema
socioeducativo nunca foi, de fato, implementado, de uma forma que os jovens não
reincidam no crime", completa.
Rossana Brasil, presidente da Comissão de Políticas Públicas
sobre Drogas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), acredita que a redução
abre precedentes para a possibilidade de responsabilização penal de
adolescentes cada vez mais jovens. "A partir do momento que os
adolescentes de 16, 17 anos estiverem presos, crianças e adolescentes menores
vão começar a ser cooptados pelo crime", diz.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também
manifestou-se contra a redução. "O caminho para pôr fim à condenável
violência praticada por adolescentes passa, antes de tudo, por ações
preventivas", afirma em nota.
Rigidez
Sem expressar opinião definida, o delegado adjunto Emerson
Pompeu, da Delegacia da Criança e do Adolescente de Fortaleza (DCA) defende uma
maior rigidez nas punições. Em algumas situações, ele afirma, as penalidades do
ECA não são suficientes. "Vemos casos de adolescentes comandando
quadrilhas e cometendo outros crimes ainda mais graves. Entendo que não se pode
mais dizer que eles não sabem dos consequências de seus atos. Mas não sei qual
vai ser o impacto dessa mudança".
Manuel Clístenes, juiz titular da 5ª Vara da Infância e da
Juventude de Fortaleza também defende que haja uma reformulação no ECA, de modo
que os adolescentes que pratiquem crimes hediondos tenham medidas
socioeducativas com tempos maiores de internação. "O ECA se mostrou uma lei
absolutamente incapaz, ante uma mudança avassaladora no perfil dos jovens.
Atualmente, o grau de comprometimento de alguns com a criminalidade e,
consequentemente, o aumento da periculosidade não está tendo o tratamento
adequado. A legislação não traz uma resposta justa, proporcional e razoável
para aqueles que praticam atos análogos aos hediondos. Na minha opinião, o
caminho é a mudança da lei, e não a redução da maioridade".
Para discutir o tema, o Ministério Público do Estado do Ceará
(MPCE) realiza, hoje, o curso Direito à Infância e Juventude, no qual
apresentará o projeto de lei elaborado pelo Fórum Nacional Proinfância, que
trata do aperfeiçoamento do ECA, ante a redução da maioridade penal.
Fonte: Diário do Nordeste
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