domingo, 30 de agosto de 2015

Violência. Por que homens matam mulheres

Entre as perguntas que a investigação do assassinato de Adriana e Jade Moraes tenta responder, existe uma questão atravessada na história dos relacionamentos cotidianos: Por que homens matam as mulheres? Mãe e filha foram mortas, enquanto dormiam, com dois tiros disparados por Marcelo Barbarena, 37, marido de Adriana, 38, e pai de Jade, 8 meses.

A tragédia aconteceu no último domingo, 23. Mas sempre esteve no meio de nós: nos aprendizados, nas legislações, nas religiões e até nos silêncios. “A questão é, essencialmente, cultural. Vem das raízes da humanidade: o homem sempre teve o papel de protagonista. Isso passa de geração a geração e gera um sentimento de propriedade sobre a mulher”, entende a socióloga Helena Frota, coordenadora do Observatório da Violência contra a Mulher (Universidade Estadual do Ceará).

“Estudamos muitos casos de assassinato e batem na mesma tecla. O homem não pode ser posto em dúvida sobre a posse da mulher”, ratifica Helena. “Décadas de submissão e desigualdades produziram uma espécie de empoderamento dos homens em relação às mulheres”, relaciona a advogada e professora Emília Iponema Brasil Sotero, autora de artigos sobre Gênero e Direitos Humanos das Mulheres para o Instituto Maria da Penha. “Urge reconstruir a mentalidade e a conscientização de que a igualdade entre homens e mulheres se inicia dentro do lar, bem como a cultura de paz”, contrapõe.

O feminicídio tem uma motivação de gênero, concorda Rose Marques, advogada e articuladora da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres do Governo do Estado: “É decorrente da relação de desigualdade, para que seja mantida a relação de poder. Isso acontece com a pessoa em situação de rua e acontece com a mulher do juiz. Vai muito além dos limites de classe social”.

“Pelo simples fato de ser mulher, estamos vulneráveis na sociedade”, dialoga a psicóloga Aline Rosa Pontes Milet. Mas, apesar das tentativas de explicação, não há nenhuma justificativa para um assassinato. “É preciso respeito à vida privada da mulher”, destaca a psicóloga Roberta Lopes.

Em meio à violência, existem saídas. Há os caminhos legais - via leis 11.340 (Maria da Penha) e 13.104 (do Feminicídio) - e outros ainda mais longos, como a educação e a reconquista da autoestima, da autonomia e dos direitos, consideram Emília Sotero e Rose Marques.

Silêncios
Por outro lado, existem os silêncios de cada um. “Estudei a violência durante 25 anos. E a primeira frase que ouvia de quem comete um crime é: ‘Não era eu’. Essa sociedade precisa escutar os males que ela cria”, pondera a socióloga Glória Diógenes, professora da Universidade Federal do Ceará.

“As violências irrompem como um vulcão que estava dormindo”, percebe. Sentimentos primários e intensos, como ira e vingança, também são parte do ser humano e devem ser encarados nos espaços sociais. O tempo de punir é, igualmente, o tempo de entender comportamentos. “Vivemos em uma violência sem memória.

E o não conhecimento do processo de construção desse sujeito como sendo uma responsabilidade social vai criar milhões de porquês sempre”, diz Glória. “Não temos tempo nem espaço para a narrativa do que nos assola de cruel. A grande revolução seria a educação para valores. Qual seria o valor: ama o próximo como a ti mesmo”, conclui.

153 quantidade de mulheres vítimas de crimes violentos e letais (homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte), no Ceará, entre janeiro e julho deste ano. O mesmo período de 2014 registrou 170 casos, de acordo com a SSPDS.

2.361
Número de vítimas do sexo feminino em crimes de violência doméstica no Ceará, pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340), registrados entre janeiro e junho deste ano. No mesmo período, em 2014, foram 2.168. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS)

250a 270 mulheres/mês procuram o Centro de Referência Francisca Clotilde, da Prefeitura (rua Padre Francisco Pinto, 363, Benfica). São pelo menos três atendimentos por dia (casos de violência psicológica ou física). A faixa etária das principais vítimas é de 20 a 39 anos.

Saiba Mais
  
Proteção
Denunciar é o verbo que precisa ser conjugado por mulheres que sofrem algum tipo de violência. Silêncio gera impunidade e é cúmplice dos crimes, concordam estudiosos do tema, ouvidos pelo O POVO. Vencer o medo e a vergonha é imperativo, sempre foi e será. “Falta de respeito não se aceita, de forma nenhuma”, sublinha a socióloga Helena Frota. Se o diálogo em casa já não for mais possível, existem profissionais capacitados e uma rede de proteção - de centros de referência (que disponibilizam orientações psicológicas e jurídicas) a delegacia especializada -que se propõem a romper o ciclo da violência.


O POVO

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