Entre as perguntas que a investigação do assassinato de
Adriana e Jade Moraes tenta responder, existe uma questão atravessada na
história dos relacionamentos cotidianos: Por que homens matam as mulheres? Mãe
e filha foram mortas, enquanto dormiam, com dois tiros disparados por Marcelo
Barbarena, 37, marido de Adriana, 38, e pai de Jade, 8 meses.
A tragédia aconteceu no último domingo, 23. Mas sempre esteve
no meio de nós: nos aprendizados, nas legislações, nas religiões e até nos
silêncios. “A questão é, essencialmente, cultural. Vem das raízes da
humanidade: o homem sempre teve o papel de protagonista. Isso passa de geração
a geração e gera um sentimento de propriedade sobre a mulher”, entende a
socióloga Helena Frota, coordenadora do Observatório da Violência contra a
Mulher (Universidade Estadual do Ceará).
“Estudamos muitos casos de assassinato e batem na mesma
tecla. O homem não pode ser posto em dúvida sobre a posse da mulher”, ratifica
Helena. “Décadas de submissão e desigualdades produziram uma espécie de
empoderamento dos homens em relação às mulheres”, relaciona a advogada e
professora Emília Iponema Brasil Sotero, autora de artigos sobre Gênero e
Direitos Humanos das Mulheres para o Instituto Maria da Penha. “Urge
reconstruir a mentalidade e a conscientização de que a igualdade entre homens e
mulheres se inicia dentro do lar, bem como a cultura de paz”, contrapõe.
O feminicídio tem uma motivação de gênero, concorda Rose
Marques, advogada e articuladora da Coordenadoria Especial de Políticas
Públicas para as Mulheres do Governo do Estado: “É decorrente da relação de
desigualdade, para que seja mantida a relação de poder. Isso acontece com a
pessoa em situação de rua e acontece com a mulher do juiz. Vai muito além dos
limites de classe social”.
“Pelo simples fato de ser mulher, estamos vulneráveis na
sociedade”, dialoga a psicóloga Aline Rosa Pontes Milet. Mas, apesar das
tentativas de explicação, não há nenhuma justificativa para um assassinato. “É
preciso respeito à vida privada da mulher”, destaca a psicóloga Roberta Lopes.
Em meio à violência, existem saídas. Há os caminhos legais -
via leis 11.340 (Maria da Penha) e 13.104 (do Feminicídio) - e outros ainda
mais longos, como a educação e a reconquista da autoestima, da autonomia e dos
direitos, consideram Emília Sotero e Rose Marques.
Silêncios
Por outro lado, existem os silêncios de cada um. “Estudei a
violência durante 25 anos. E a primeira frase que ouvia de quem comete um crime
é: ‘Não era eu’. Essa sociedade precisa escutar os males que ela cria”, pondera
a socióloga Glória Diógenes, professora da Universidade Federal do Ceará.
“As violências irrompem como um vulcão que estava dormindo”,
percebe. Sentimentos primários e intensos, como ira e vingança, também são
parte do ser humano e devem ser encarados nos espaços sociais. O tempo de punir
é, igualmente, o tempo de entender comportamentos. “Vivemos em uma violência
sem memória.
E o não conhecimento do processo de construção desse sujeito
como sendo uma responsabilidade social vai criar milhões de porquês sempre”,
diz Glória. “Não temos tempo nem espaço para a narrativa do que nos assola de
cruel. A grande revolução seria a educação para valores. Qual seria o valor:
ama o próximo como a ti mesmo”, conclui.
153 quantidade de mulheres vítimas de crimes violentos e
letais (homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte), no
Ceará, entre janeiro e julho deste ano. O mesmo período de 2014 registrou 170
casos, de acordo com a SSPDS.
2.361
Número de vítimas do sexo feminino em crimes de violência
doméstica no Ceará, pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340), registrados entre
janeiro e junho deste ano. No mesmo período, em 2014, foram 2.168. Os dados são
da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS)
250a 270 mulheres/mês procuram o Centro de Referência
Francisca Clotilde, da Prefeitura (rua Padre Francisco Pinto, 363, Benfica).
São pelo menos três atendimentos por dia (casos de violência psicológica ou
física). A faixa etária das principais vítimas é de 20 a 39 anos.
Saiba Mais
Proteção
Denunciar é o verbo que precisa ser conjugado por mulheres
que sofrem algum tipo de violência. Silêncio gera impunidade e é cúmplice dos
crimes, concordam estudiosos do tema, ouvidos pelo O POVO. Vencer o medo e a
vergonha é imperativo, sempre foi e será. “Falta de respeito não se aceita, de
forma nenhuma”, sublinha a socióloga Helena Frota. Se o diálogo em casa já não
for mais possível, existem profissionais capacitados e uma rede de proteção -
de centros de referência (que disponibilizam orientações psicológicas e
jurídicas) a delegacia especializada -que se propõem a romper o ciclo da
violência.
O POVO
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