Para muitos, o crime de vilipêndio a cadáver
ainda está sendo ligado tão somente à necrofilia e a condutas como a penetração
de objetos no corpo desfalecido como forma de ridicularizá-lo.
No entanto, o artigo 212 do Código Penal traz
inúmeras possibilidades de condutas para o enquadramento neste crime, pois
vilipendiar quer dizer aviltar, profanar, desrespeitar, depreciar, desprezar,
ultrajar o cadáver ou ter ação idêntica com relação às cinzas do mesmo (há
entendimentos que o esqueleto também se encaixa nestes termos).
O crime de vilipêndio a cadáver ou às suas
cinzas pode então ser praticado de diversas formas (gestos, ações, encenações,
palavras, escritos, atos sexuais, entre outros), ou seja, por meio de qualquer
ato que desrespeite aquele ser humano sem vida.
As tecnologias avançaram e, junto com elas,
diversas estão sendo as atitudes dos usuários nas mídias sociais, que não são
somente socialmente reprováveis, mas juridicamente também.
Precisamos entender que, se vilipendiar é
toda forma de desrespeito ao ser humano sem vida e, a exposição de imagens de
cadáveres nas redes sociais é uma forma de ultraje, tal conduta pode ser
perfeitamente enquadrada no crime de vilipêndio a cadáver.
A matéria é nova, visto que as tecnologias
dos “smartphones” com aplicativos instantâneos também são recentes em nosso
país sendo que, para a justiça, dois ou três anos, infelizmente, ainda é pouco
tempo.
Ocorre que esta onda irregular de
compartilhamentos de imagens das pessoas está ganhando força. Consequentemente,
tais atitudes estão sendo visadas para a implantação de novas leis, como por
exemplo, sobre o vazamento na internet de fotos e vídeos íntimos sem a
autorização da vítima.
Porém, diante da forma que o artigo 212 do
Código Penal foi exposto, já há a perfeita tipificação para aqueles que
registram e/ou veiculam fotos de cadáveres em mídias sociais.
A imagem de um ancestral é muitas vezes para
seus descendentes patrimônio moral mais valioso que os bens materiais por ele
deixados. [...] Seria cruel e até desumano exigir que os parentes próximos do
falecido – descendentes, ascendentes e cônjuges – quedassem inertes diante das
ofensas contra ele assacadas. Assim, mesmo depois da morte, a memória, a imagem,
a honra das pessoas continuam a merecer a tutela da lei. Essa proteção é feita
em benefício dos parentes do morto, para se evitar os danos que podem sofrer em
decorrência da injusta agressão moral a um membro da família já falecido. (1)
O bem jurídico lesado é o sentimento de
respeito, honra e veneração ao que faleceu, sendo que o sujeito passivo/vítima
desta ação penal é o indivíduo ou o conjunto de pessoas que guardam esses
sentimentos, não podendo, portanto, ser sujeito passivo aquele que faleceu, visto
que este não possui mais capacidade de sentir nenhuma ação contra si dirigida.
No vilipêndio há dolo, diante da livre
vontade do agente e sua intenção em fazê-lo e a pena é a de detenção de um a
três anos e multa. Este crime é de ação penal pública incondicionada, sendo
assim, não há necessidade de manifestação de vontade da vítima.
Cumpre esclarecer que, sob o manto de
proteção do Código Penal, o perito criminal pode registrar, apreender e guardar
imagens de cadáveres para confecção de seus laudos, diante do art. 23, inciso
III, com a excludente de ilicitude, onde não haverá sobre si qualquer tipo de
responsabilidade cível, criminal ou administrativa, desde que as imagens sejam
utilizadas tão somente para o fim profissional e de esclarecimento de fatos
criminais.
Podemos citar o caso ocorrido com a
ex-dançarina de funk Amanda Bueno. Foi veiculada matéria referente ao seu
homicídio, onde seus familiares relatam que receberam no velório as fotos da
mesma morta, fotos estas tiradas de dentro do IML (2). Fora isto, circulam
também na internet fotos da falecida no local do crime. A prática deste
registro com o vazamento de dentro do IML não haverá, portanto, excludente de
ilicitude.
Ocorre que a primeira tutela jurídica
lembrada nesses casos tem sido tão somente aquelas na esfera civil, pois nossa
legislação em vigor da amparo também para que o cônjuge, os ascendentes e
descendentes postulem as medidas cíveis cabíveis contra o autor das imagens.
Porém, conforme dito acima, já há também a tipicidade desta conduta consagrada
no Código Penal.
Sendo assim, qualquer cidadão que tiver
conhecimento da pratica deste crime e, principalmente, do possível agente, deve
denunciá-lo. Assim, as autoridades competentes poderão iniciar as
investigações.
A personalidade termina com a morte, no
entanto, o direito de imagem (decorrente dos direitos de personalidade) pode
produzir e projetar efeitos jurídicos para além da morte. Diante disto, nossa
legislação pátria dá especial tutela e proteção a esses direitos, não só daqueles
que estão vivos, mas também dos que faleceram.
Não precisamos esperar por uma lei que
penalize criminalmente estas atitudes, ela já existe.
Fonte: JUSBRASIL
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