O número de detentos mortos em unidades prisionais do Ceará
cresceu 133%, comparando o primeiro quadrimestre de 2016 com igual período do
ano passado. São 16 mortes violentas de janeiro a abril de 2016, enquanto em
2015 foram seis ocorrências, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública
e Defesa Social (SSPDS). Além disso, uma sequência de rebeliões e motins levou
as principais penitenciárias da Região Metropolitana a uma situação nova no
Estado: em pelo menos três delas, os presos estão soltos dentro das unidades,
depois de quebrarem as celas e arrancarem as grades.
A Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), por meio da
Assessoria de Comunicação disse não possuir o número de motins e rebeliões. O
presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do
Ceará (Sindasp-CE), Valdemiro Barbosa, afirmou que todas as unidades de grande
porte da RMF estão sob o domínio do crime organizado e sob o controle dos
próprios presos. Ele disse que a superlotação e o efetivo reduzido de agentes
penitenciários contribuíram para o momento, considerado por ele como
"caótico e de total descontrole".
"Na realidade todas as unidades precisam ser
interditadas, porque todas estão na mesma situação. A superlotação em níveis
inaceitáveis é uma realidade. As Casas de Privação Provisória de Liberdade
(CPPLs) III e IV estão com cerca de 1.900 presos. Para controlar todo esse
pessoal tem seis ou sete agentes, dependendo do plantão", declarou.
Barbosa compara os números do Ceará com os que a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) considera ideais e diz que a deficiência tem
agravado os problemas. "A OIT diz que o ideal seria um agente para cinco
detentos. Nós temos 2.165 agentes divididos em quatro plantões. Tirando os que
estão de férias, licença, grupos táticos e cargos comissionados temos cerca de
400 agentes na ativa, por dia, para custodiar cerca de 20 mil presos. Ou seja,
são cerca de 50 presos para um agente".
O presidente do Sindasp afirmou que as dificuldades no
Sistema Carcerário nunca se agravaram tanto. "A situação da RMF é ruim e a
das Cadeias Públicas do Interior é ainda pior. A crise se agrava e isto
compromete muito a segurança nas unidades. Falta armamento, munição, coletes
balísticos e até algemas.
Valdemiro Barbosa alerta para os crimes que ocorrem dentro
dos presídios e a falta da fiscalização necessária. "Os presídios estão
tomados por facções criminosas. Todo tipo de crime acontece lá dentro e nós não
podemos impedir, porque não temos gente suficiente. Em cada rua tem cerca de
350 homens soltos. Os agentes não podem mais entrar para fazer revistas, nem
contagem de presos, por isso tantas fugas ocorrem e tanto material ilegal está
lá dentro. O crime organizado tomou conta de tudo e os presos estão à
vontade".
Segundo Barbosa, os problemas no Sistema só pioraram depois
do anúncio do bloqueio do sinal de celular nas unidades. "Já era difícil
controlar, por causa da superlotação, mas depois que anunciaram o bloqueio o
sistema está totalmente fora de controle. A situação está insustentável",
afirmou Barbosa.
Organização
O advogado Alexandre Sales, que é membro da Comissão de
Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil (OABCE), disse que o
problema do Sistema Penitenciário foi se acentuando durante os anos e agora
chegou a um nível que ainda não tinha sido visto no Ceará. "Isso tudo é
fruto de falta de investimento, não só em material humano, mas também em
ressocialização dos detentos. Os números da proporção de agentes para presos é
gritante. É humanamente impossível para o agente controlar. Na verdade não há
mais controle".
O advogado disse que os direitos básicos dos detentos também
não são garantidos e, por conta disto, eles precisam buscar maneiras de se
organizar dentro das penitenciárias. "A ausência de uma assistência mínima
faz com que eles busquem meios para viver melhor na prisão. Quem manda no
presídio são os presos, porque é preciso que exista algum tipo de
administração. Como não tem cela para todo mundo isso gera um mercado. Uma cama
de pedra custa R$ 300, um colchão é mais R$ 200, mas o familiar pode levar.
Cada cela tem um dono, que resolve as questões de lá. Geralmente o dono da cela
é o mais antigo ou que cometeu crimes mais sérios. Ele pode inclusive expulsar
gente da cela, quando arranja confusão ou faz dívidas".
O advogado declarou que a sensação de que o presídio está
mantendo o detento isolado do crime não corresponde à realidade. "Da grade
para fora existe uma falsa sensação de que o Estado está lá presente. Da grade
para dentro, não é assim. Para se ter ideia do abandono das unidades, quando um
interno passa mal ele pode morrer até a chegada de um grupo tático, porque o
agente não pode entrar sozinho nas ruas", contou.
Para Alexandre Sales, a falta de verbas que possibilitem a
ressocialização é um dos problemas mais graves do sistema. "Nem a
estrutura arquitetônica da CPPL possibilita a ressocialização. O ideal seria
uma unidade construída de forma horizontal, mas aqui foram feitas caixas, que
não permitem que o preso trabalhe porque não tem espaço. Grande parte dos
detentos queria ter trabalho, queria fazer alguma coisa, mas não consegue e
fica ocioso. O Sistema é um depósito de pessoas tratadas como bichos. A função
da prisão de reprimir, reeducar, não está sendo cumprida".
Fonte: Diário do Nordeste
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