Candidatos que farão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no próximo dia 5 e planejam tentar uma nota mil na prova de redação precisam tomar cuidado com a decisão judicial da última quarta-feira (25), que proibiu a nota zero automática para redações com teor desrespeitoso aos direitos humanos. Apesar de o julgamento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) ter decidido suspender essa parte específica do edital, ele não mexeu nas regras que definem as cinco competências exigidas na redação. A competência 5, portanto, segue igual, e diz que o estudante deve "elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos".
Cada uma das cinco competências será avaliada com nota de zero a 200 pontos, fazendo com que a pontuação máxima possível na prova de redação seja mil.
Até o ano passado, o desrespeito aos direitos humanos era motivo de nota zero em qualquer trecho da redação. Agora, segundo a nova decisão judicial, a exigência explícita de respeito aos direitos humanos fica restrita à proposta de intervenção. Isso quer dizer que, se a prova de redação tiver uma proposta de intervenção que desrespeite os direitos humanos, a nota máxima possível seria de 800 pontos.
Porém, a professora Maria Aparecida Custódio, que dá aulas de redação no Curso e Colégio Objetivo, em São Paulo, ressalta que os descontos podem ser ainda maiores, já que outra competência, a 3, avalia a coerência do texto. Veja abaixo:
Competência 1 - Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa.
Competência 2 - Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.
Competência 3 - Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
Competência 4 - Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
Competência 5 - Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
Do modo como as cinco competências estão dispostas, a professoa afirma que os corretores podem considerar incoerentes tanto uma redação que desrespeite os direitos humanos em outros trechos da redação, mas apresente uma proposta de redação que cumpra o exigido na competência 5, quanto uma redação que respeite os direitos humanos durante todo o texto, menos na proposta de intervenção.
Enem x vestibular tradicional
A professora lembrou ainda que a prova de redação do Enem nunca foi semelhante à dos vestibulares tradicionais. Apesar de exigir que o estudante demonstre o domínio da escrita formal em língua portuguesa, compreensão do tema da redação e conhecimento da estrutura do texto dissertativo-argumentativo, como as demais provas já consagradas de outros vestibulares, como o da Fuvest, o diferencial do Enem está na exigência da proposta de intervenção.
"O Enem é completamente diferente, ele começou assim e se manteve", diz ela. "As outras competências todas são as mesmas cobradas nos vestibulares. Você tem que apresentar uma tese, apresentar argumentos, que podem ser variados, para defender essa tese, e mostrar uma conclusão." Segundo Maria Aparecida, essa conclusão, nas outras provas, pode ser traçar uma perspectiva, fazendo uma previsão ou um alerta, por exemplo. Mas não no Enem.
"Você não tem compromisso nenhum, em outro vestibular, de apresentar uma proposta de intervenção. Por isso a gente chama o Enem de prova de cidadania. Ele convoca os estudantes a debater o tema, as causas e consequências, e a apresentar uma proposta de solução."
Ela ressalta que a estrutura única do Enem também é reforçada pelos temas das provas de redação. "Todos os temas do Enem envolvem tanto a atuação da sociedade brasileira quando a atuação do poder público", diz. "Há um alerta específico sobre o cuidado com o que o candidato vai propor a intervenção, para não desrespeitar aquilo que é sagrado na Constituição Federal e sagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é respeitar a dignidade humana."
Objetividade e liberdade de expressão
Na decisão, o desembargador federal Carlos Moreira Alves, do TRF-1, apresentou, entre os argumentos que embasaram seu voto, a "ofensa à garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião" e a "ausência de um referencial objetivo no edital dos certames". Maria Aparecida cita os documentos referenciais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, além da própria Constituição Federal, como referenciais. "É o direito à dignidade humana acima de qualquer coisa", afirma.
Ela diz, ainda, que a cartilha do participante, conhecida como o manual de redação do Enem, dedica um capítulo à definição do que são direitos humanos e de que forma um texto pode ser considerado desrespeitoso. Baixe o documento no site do Inep (pdf)
Além da cartilha, a professora do Objetivo afirmou que, durante o treinamento dos avaliadores, a Vunesp, fundação contratada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para corrigir as redações do Enem 2017, respondeu às dúvidas e elaborou um documento com 600 páginas para esclarecer as possibilidades e restrições dos corretores. "Treinaram muito bem justamente para evitar que houvesse essa carga de duplicidade, para não encarar qualquer coisa como ofensa", afirmou ela, que participou do treinamento.
Exemplos do treinamento
Um exemplo, segundo Maria Aparecida, foi com o tema da redação do Enem 2016, sobre intolerância religiosa no Brasil.
"Se um candidato escreveu que 'só há um deus', isso não é desrespeito aos direitos humanos. Ele acredita que só há um deus, mas não está defendendo que as pessoas deixem de acreditar que haja outros deuses. Ele não está propondo que haja a eliminação de quaisquer outros possíveis deuses", explicou ela.
Por outro lado, um exemplo de frase que rendeu ao candidato a nota zero foi a seguinte: "Por haver tanta discriminação, o caminho certo que se tem a tomar é acabar com todas as religiões". De acordo com a professora, ao contrário da frase anterior, essa última não pode ser interpretada apenas como um ateu exercendo sua liberdade de expressão, mas sim como uma defesa do totalitarismo.
"Ela está ferindo a possibilidade de democracia, de cada um fazer sua escolha, e defendendo que o estado, sendo laico, promova ou reprima qualquer manifestação de crença. Seria uma estratégia de tentar por fim a outras formas de pensamento."
Recomendação aos candidatos
Os candidatos que estão em dúvidas sobre a mudança provocada pela decisão judicial, mas querem tirar a maior nota possível, devem evitar possíveis descontos na nota, explicou Maria Aparecida. Isso significa, segundo ela, manter a mesma estratégia das edições anteriores do Enem.
"Você nunca vai pecar por defender os direitos humanos, por respeitar os direitos humanos. Mantenha-se fiel àquilo que você já aprendeu e já sedimentou, que é o princípio do respeito à diversidade. Isso não vale só para o vestibular, é para a convivência em sociedade."
Entenda a decisão
Na quarta-feira, a Justiça Federal decidiu, em uma decisão da quinta turma do TRF-1, suspender um trecho de um dos itens do edital do Enem 2017. O item listava algumas atitudes dos candidatos do exame na prova de redação que renderiam sua anulação, ou seja, a nota zero. As atitudes são apresentar impropérios, conter desenhos e outras formas propositais de anulação, ou desrespeitar os direitos humanos
Segundo a assessoria de imprensa do TRF-1, ficou determinada a suspensão desse item do edital "na parte em que determina atribuição, sem correção de seu conteúdo, de nota zero à prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos".
Isso quer dizer que, entre as três atitudes listadas neste item do edital, apenas o desrespeito aos direitos humanos está suspenso. Tentativas de deboches e xingamentos, por exemplo, continuam sendo motivo para a nota zero.
Na própria quarta, o Inep já afirmou que vai recorrer da decisão assim que for notificado, e que "estão mantidos os critérios de avaliação das cinco competências da redação". Na noite de sexta-feira (27), o governo federal afirmou que ainda não havia sido notificado da decisão.
Por G1
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