Carro sem bateria, delegacia improvisada em casa de veraneio, policial comprando equipamento de comunicação com o próprio dinheiro... durante apuração para realização do Monitor da Violência, material produzido pelo G1 sobre o número de homicídios no Brasil, a reportagem visitou algumas delegacias de Fortaleza e Região Metropolitana, durante o mês de novembro, e constatou precariedade na estrutura e funcionamento das unidades.
Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), o professor de sociologia Leonardo Sá explica que há um investimento maior na Polícia Militar do Ceará desde a década de 1990. "É fundamental lembrar que existe um apagão de recursos humanos na Polícia Civil do Ceará; a crise principal é a crise de pessoa", aponta.
O sociólogo critica a propaganda dos governos em cima de reformas de prédios e defende uma política institucional para o bom funcionamento das delegacias. "Você não pode apenas investir em tijolos. Por não ter uma boa política do equipamento, os locais são rapidamente sucateados. É um desperdício de dinheiro público", acrescenta. Para ele, a crise é refletida nas fugas e rebeliões, e contribui para a manutenção dos altos índices de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs).
Segundo o professor, com a criação da Divisão de Homicídios, delegacia especializada, um acúmulo de casos foi deixado para trás a partir da inauguração, garantindo impunidade. "A Divisão de Homicídios, quando criada, ainda não tinha capacidade pro acúmulo de casos, (isso) é garantir a impunidade. Os homicídios funcionam em circuito, um leva a outro. Se você interrompe a investigação, eles continuam. Esse foi o problema", analisa.
A delegacia especializada foi criada para trabalhar exclusivamente na investigação de homicídios e latrocínios, no entanto, alguns casos continuam sendo repassados às delegacias das áreas. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSPDS) informou que a distribuição dos inquéritos tem o objetivo de dar celeridade aos trabalhos.
"Os inquéritos policiais elucidados pelas equipes da DHPP, em até 30 dias, são concluídos e remetidos ao Poder Judiciário. Nos casos não elucidados, durante o mesmo período, os inquéritos policiais são remetidos ao Poder Judiciário e, quando devolvidos, os autos são redistribuídos para as delegacias distritais das áreas onde ocorreram os crimes, para que deem continuidade às investigações", diz a nota.
A maior parte dos 128 inquéritos apurados pelo G1 para o Monitor da Violência ainda estavam na DHPP mesmo após quase três meses do ocorrido.
Delegacia sucateada
Na Delegacia Metropolitana de Maracanaú, a transferência de um interno, no meio da tarde, é feita em meio a conversas casuais e um entra e sai de policiais e inspetores na unidade. Para quem não está acostumado à rotina do trabalho policial, o homem colocado de mãos algemadas no canto da recepção ‒ enquanto os policiais cumprem burocracia, preenchem papéis e verificam o celular ou conversam na calçada ‒ nem parece um detento sob custódia do estado.
As condições precárias da delegacia são notáveis. O local tem paredes imundas, janelas e portas velhas e um pedaço de pano improvisado como cortina na sala do inspetor-chefe da unidade. Na cela da delegacia, 16 presos esperam por transferência. Assim como o procedimento da troca de presos, o tratamento entre eles e os policiais da unidade é informal. O inspetor-chefe afirma que menos de 50% dos casos investigados pela delegacia são concluídos.
Em nota, a Polícia Civil do Ceará informou que as obras do prédio da nova sede da delegacia estão em fase de conclusão. Sobre a transferência de presos, a polícia afirma que orienta os servidores a seguirem os procedimentos apropriados, "levando em consideração a segurança dos policiais, bem como da população atendida no interior das delegacias".
Sobre as condições de trabalho no prédio atual, a polícia informou que "as medidas para preservação e manutenção do prédio estão sendo adotadas pela instituição para sanar os problemas".
Carro sem bateria
A cerca de 10 km dali, em Maranguape, três policiais são responsáveis por todos os procedimentos da delegacia. De férias por 15 dias, o titular, delegado Francisco Braúna, designou seis casos para os inspetores trabalharem durante sua ausência. No período, o computador com o restante dos inquéritos fica bloqueado para acesso.
Sobre isso, a Polícia Civil informa que os procedimentos são sigilosos, ou seja, o delegado assegura a privacidade necessária à investigação do fato, ficando reservado aos inspetores apenas o acesso os casos em que eles colaboram com as investigações.
Um dos inspetores conta que o carro da polícia usado por eles ficou por mais de uma semana sem bateria, comprada depois com recursos pessoais do profissional. Os rádios para comunicação entre os veículos também saíram do orçamento do inspetor.
Em resposta, a polícia diz apenas que uma viatura apresentou falha na bateria, "mas o problema já foi solucionado". A respeito dos rádios, a nota informa que os aparelhos "não são necessários para o funcionamento da unidade policial, quem o adquiriu fez por vontade própria".
Há três anos, um incêndio na delegacia destruiu a área das celas, queimou computadores e relatórios de inquéritos. Na unidade, o índice de resolutividade é de 30%, segundo os inspetores.
Delegacia em casa com piscina
No município de Horizonte, o cenário é incomum comparado às outras unidades visitadas. A delegacia funciona em uma casa de veraneio, com churrasqueira e piscina exposta. Quando o G1 visitou o local, a água estava insalubre, visivelmente suja. Dias depois, a reportagem da TV Verdes Mares também esteve no lugar, mas foi impedida de entrar. Na ocasião, a piscina se encontrava limpa.
Segundo a Polícia Civil, a delegacia funciona em um prédio cedido pela prefeitura do município, desde o mês de janeiro de 2017, e a obra para a construção da nova unidade policial no município iniciou no último mês de maio, devendo ser entregue no ano que vem.
Sobre o estado da piscina, a polícia afirma que a limpeza do equipamento "é realizada com frequência".
A cela da delegacia onde estavam sete detentos é improvisada, diz o delegado Rodrigo Jataí, já que não possuem paredes reforçadas. Embora em locação "curiosa", o ambiente é organizado, com recepção e monitoramento por vídeo.
Em nota, a polícia afirma que "o prédio passou por uma adaptação em sua estrutura física para comportar os presos que ficam provisoriamente na delegacia, à espera de audiências de custódia".
Sala emprestada
Já na capital, o 32º Distrito Policial (DP), no Bairro Parque Santa Cecília, passou 20 dias fechado para reforma. Durante o período, os profissionais da unidade foram transferidos para uma sala do 12º DP, na Conjunto Ceará. Ao serem solicitados pelo G1 sobre informações de inquéritos para o Monitor da Violência, os policiais alegaram não poder ter acesso ao material, já que se encontrava ainda no prédio antigo, em reforma.
Em nota, a Polícia Civil do Ceará confirmou que o 32º Distrito Policial passou por transição de prédio e disse que "a situação não interfere no andamento das investigações policiais".
Por G1 CE
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