A agonia de pescadores chama atenção de quem passa pelo município de Nova Jaguaribara, cidade distante 219 km de Fortaleza. A população que um dia viveu da abundância de peixes e um comércio próspero, hoje buscas alternativas para tirar o sustento diário. A cidade fica ao lado do maior açude do Brasil, o Castanhão. O reservatório está pela primeira vez no volume morto, com 3,15% de capacidade de armazenamento. E a seca traz prejuízos. Pescadores afirmaram ao G1 que atualmente lucram cerca de 10% do que recebiam há seis anos.
A fartura e o prato cheio são relembrados pelo pescador e comerciante José Ubiratan da Silva, de 42 anos. José conta com entusiasmo como o Castanhão o ajudou a construir uma boa casa na Vila Marizeira, em Nova Jaguaribara. “Tudo que tenho hoje, o que vocês estão vendo aqui, uma boa casa para o padrão daqui, foi construído graças à pescaria no Castanhão”, conta, satisfeito e orgulhoso.
José Ubiratan relata que no auge do Castanhão, em um mês, faturava até R$ 4 mil com a pesca. "Era uma abundância sem fim. Muito cará, pescada, traíra, pirambeba e tilápia. Até camarão! Eu lucrava algo em torno de R$ 3 mil e R$ 4 mil por mês. Muito peixe, muita alegria. Vinha gente de longe comprar peixe aqui. Gente da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco", conta.
Com a seca que já dura seis anos e é a mais grave estiagem do Nordeste, Ubiratan tenta driblar a crise ainda com a pescaria no açude e na pecuária em alguns momentos. Com tristeza ele diz que atualmente agradece a Deus por conseguir R$ 500 por mês. Segundo ele, esse valor é poucas vezes conquistado nos últimos três anos de seca. "A pescaria virou até um pesadelo."
"Dá uma frustração na gente, sabe? Tirar para você uns R$ 4 mil e agora pegar R$ 300 ou R$ 500 por mês deixa você sem esperanças. Temos que seguir em frente e trabalhar com o que Deus nos reserva e proporciona."
O Castanhão foi criado em 2002 inundando a cidade de Jaguaribara. Os moradores do antigo município se deslocaram para uma região próxima, fundando a cidade de Nova Jaguaribara. Com a seca e redução no volume do açude, as ruínas da antiga Jaguaribara estão expostas desde 2013. O reservatório recebeu carga máxima pela primeira vez em 2004 e nunca havia atingido o volume morto.
Mesmo com a crise, a possibilidade de racionamento está descartada. "A capitação continua ocorrendo normalmente, mas com algumas preocupações. O volume [de água do Castanhão] tem decrescido diariamente em um milhão de metros cúbicos e isso é prepcupante", diz o técnico do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) Fernando Pimentel.
Em busca de soluções
Uma das alternativas de José Ubiratan é a construção de um criadouro de peixes no quintal de casa e conseguir ter fartura mesmo em tempos de seca. Apesar das dificuldades, ele planeja a meta para o próximo. "Meu objetivo é fazer um tanque para criar peixes: tilápia. Armazenar um tanque com duas mil tilápias com 30 mil litros de água", diz entusiasmado.
Para conseguir renda e realização o sonho, Ubiratan não pode mais contar exclusivamente com a pesca e tem que recorrer a trabalhos extras. “Acordo às 4h. Vou para o açude. Deixo as redes e retorno por volta das 7h. Verifico se há peixes. Quando tenho sorte pego alguma coisa e retorno. Se não existem peixes, eu deixo a rede lá, todo o material. Vou para cidade, tento a sorte com outra coisa, com algum serviço geral. Aí retorno para o açude no fim da tarde. Se for um dia iluminado, pego sete quilos de peixe”.
Sobre o futuro do açude Ubiratan é prático. Na opinião dele, se não chover ou se as autoridades não buscarem uma alternativa, haverá um êxodo de moradores para outras regiões. "Sonhar para chover. Torcer para chover. Não existe alternativa. Pedir para os governantes buscarem uma solução. Se secar tudo de vez não tem como sobreviver aqui, pois sem peixes, não existe comércio e aqui tudo está fraco, tudo está morrendo", conta olhando para um saco com algumas tilápias congeladas retiradas da geladeira.
'Peixes nos pés'
Outro que lamenta a longa estiagem e com a falta de água no Castanhão é o pescador Otacílio Júlio Silva, de 76 anos. Natural de Jaguaribe, cidade próxima de Jaguaribara, lembra com entusiasmo a época em que os peixes caíam nos pés dos pescadores. "Os peixes caíam nos nossos pés. Nos bons tempos do Rio Jaguaribe, sem brincadeira, eles [peixes] pulavam para dentro do barco da gente. Lembro como fosse hoje meu pai pegando os peixes e antes de colocá-los no samburá [cesta para colocar os peixes] ele os beijava", lembra.
Seu Otacílio como é conhecido na Vila Marizeira diz que no Castanhão não era diferente. Muita abundância e fartura. “Eu trabalhava para um senhor da cidade de Russas aqui pertinho. Ele tinha dois barcos. Todo dia eram 15 e 20 quilos de peixes por ai. Às vezes 30 quilos! Aqui todo pescador ou comerciante tinha dinheiro no bolso. Uma movimentação de gente de todo canto do Ceará”, relata.
Os bons tempos também são lembrados pelo pescador e comerciante Francisco Alves de 55 anos. Ele conta que nos tempos áureos do Castanhão ele costumava retirar das águas do açude 100 quilos de tilápia por semana. Hoje conta desapontado que não retira 10 quilos. “O trabalho não faltava. Eu levava sempre alguém comigo porque uma pessoa não dava conta. Era muito peixe, fartura de tudo. Tirávamos 100 quilos de peixe por semana e íamos vender aqui nas feiras da cidade e em municípios vizinhos. Hoje o peixe do açude praticamente é só para a nossa alimentação. O que sobra quando aparece nós vendemos para a feira daqui mesmo”.
Sem a pescaria Seu Francisco afirma que ele busca outras alternativas de trabalho. A mais procurada é de serviços gerais. “Sem a pescaria, não só eu como outros pescadores mudaram de ramo. Eu por exemplo vou trabalhar como serviços gerais. Vou esfregar chão e limpar banheiros da gente fina daqui da cidade. É buscar alternativas. Se for contar só com açude estamos perdidos. Vamos passar fome”.
O agricultor José Mendes Pedrosa de 62 anos lamenta o período de seca vivido no Açude Castanhão. "Onde havia água, aquela imensidão azul sem fim ficou só poeira. Tudo marrom e escuro. Tudo seco. Sem vida. A terra rachada torna ainda mais difícil não só a criação de peixes como os de rebanhos. Não temos água e os campos estão secos", disse.
Comércio
A crise do Castanhão também afeta diretamente o comércio de Nova Jaguaribara, que amarga o prejuízo dos clientes que deixaram a cidade. A gerente de supermercado Rosângela Jales diz que há sete anos havia muito emprego na cidade. Ela conta que vieram para Nova Jaguaribara centenas de criadores. Muitos dos estados da Paraíba, Maranhão, Piauí e Pernambuco.
"Os empresários de peixes construíram criadores de tilápia. Tinham muitos empregados, coisa de por baixo dez ou 15 funcionários [pescadores] por setor de criação. Era bom para gente, visto que as cestas básicas eles compravam aqui. Com a crise, a seca, tudo acabou, eles foram embora e só deixaram dívidas."
A gerente afirma que atualmente os comerciantes locais "dançam conforme a música" para não fechar as portas. Segredo, segundo a comerciante, é diminuir os preços e não explorar o consumidor. "Nosso lema é vender tudo com preços que praticamente não nos proporcionam lucros. Se fomos pensar em lucros, vamos quebrar".
Com 3,15% de capacidade de armazenamento, o mais baixo nível já registrado, o açude Castanhão, responsável pelo abastecimento de Fortaleza e Região Metropolitana, entra no chamado volume morto, de acordo com nota emitida de Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), responsável pela administração do reservatório.
Segundo o órgão, em 13 de novembro o Castanhão "atingiu cota de 68,73, que corresponde ao volume de 228 milhões de m³, abaixo da cota 71, que corresponde ao início de seu volume morto". Por conta da estiagem, há seis anos o Castanhão não recebe quantidade suficiente de água para recompor o reservatório.
O volume morto – também chamado de reserva técnica – é a água que fica abaixo do nível de captação dos reservatórios, não programada para ser usada no cotidiano e funciona como reserva para casos emergenciais.
O açude tem capacidade para 308,71 hm3 de água, o suficiente para abastecer uma cidade como Fortaleza por três anos. O Ceará sofre com chuvas abaixo da média por seis anos seguidos, ocasionando a mais grave estiagem registrada no estado nos últimos 100 anos.
Pelos cálculos da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do estado (Cogerh),a quantidade de água atualmente armazenada deve ser suficiente para manter os usos do açude, que já estão reduzidos, até por volta de janeiro de 2018. Após essa data a situação será reavaliada considerando os prognósticos do período chuvoso do Ceará, que começa em fevereiro e se estende até maio.
Por Gioras Xerez, G1 CE
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