Os desembargadores Sérgia Maria Mendonça Miranda, Francisco
Pedrosa Teixeira e Váldsen da Silva Alves Pereira, oito advogados e mais três
pessoas foram denunciados pelo crime de corrupção (ativa ou passiva), pelo
Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal, acusados de participarem
de um esquema criminoso de venda de liminares nos plantões do Tribunal de
Justiça do Ceará (TJCE).
A denúncia foi elaborada pelo vice-procurador-geral da
República, Luciano Mariz Maia, em 10 de novembro último, e foi remetida ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde se encontra na Coordenadoria da Corte
Especial - colegiado que avalia acusações a pessoas que têm foro privilegiado -
sob relatoria do ministro Herman Benjamin, para ser acatada ou negada.
Além dos desembargadores, o MPF denunciou os advogados
Cláudia Adrienne Sampaio de Oliveira, Michel Sampaio Coutinho, Carlos Eduardo
Miranda Melo, Jéssica Simão Albuquerque Melo, Mauro Júnior Rios, Adailton
Freire Campelo, Marcos Paulo de Oliveira Sá e José Joaquim Mateus Pereira; o
empresário Frankraley Oliveira Gomes, que era namorado da desembargadora Sérgia
Miranda; o gerente operacional Paulo Fernando Mendonça; e a dona de casa Emília
Maria Castelo Lira, mulher do desembargador Francisco Pedrosa.
Caso a peça acusatória seja aceita pela Justiça, os acusados
viram réus na ação penal, o que não seria inédito para os advogados Michel
Coutinho, Mauro Rios e Marcos Sá, que já são réus em outro processo referente à
venda de liminares.
Esquema
A denúncia do MPF se baseou no inquérito da Polícia Federal
(PF) originado a partir da Operação "Expresso 150", deflagrada em 15
de junho de 2015. Os investigadores descobriram o esquema criminoso de venda de
habeas corpus nos plantões do TJCE, envolvendo desembargadores, advogados e
presos, enquanto apuravam crimes cometidos por uma quadrilha especializada no
tráfico de drogas.
Conversas telefônicas que foram interceptadas pela PF na
Operação "Cardume" revelaram detalhes do esquema, como os valores a
serem pagos por uma decisão do Tribunal de Justiça - que chegavam a R$ 150 mil
-, a organização da quadrilha para definir os detentos que seriam beneficiados,
o esforço dos envolvidos para arrecadar o dinheiro que seria utilizado na
negociação e a cobrança do pagamento entre eles.
Inicialmente, a investigação apontou para os advogados Michel
Sampaio Coutinho, Carlos Eduardo Miranda de Melo e Mauro Júnior Rios como
responsáveis por articular a venda de alvarás com os desembargadores. Os
pedidos de habeas corpus eram impetrados geralmente por advogados
recém-formados, nos plantões de fins de semana do TJCE, e eram deferidos pelos
magistrados.
Divisão
A reportagem apurou que a denúncia do MPF dividiu os acusados
em três núcleos, referentes aos magistrados. Segundo a denúncia do órgão
ministerial, no núcleo da desembargadora Sérgia Maria Miranda, o seu então
namorado, empresário Frankraley Gomes, a ajudava a negociar a venda de
liminares com os advogados Michel Coutinho, Carlos Eduardo Melo e Mauro Rios. A
advogada Jéssica Melo, esposa de Coutinho, era uma das profissionais aliciadas
para impetrar o pedido de habeas corpus no TJCE - pelo menos outros dois
advogados tiveram o nome utilizado para esse trabalho, mas não foram
denunciados, de acordo com o MPF.
No plantão do dia 17 de novembro de 2012, o grupo conseguiu
duas liminares negociadas com Sérgia Miranda. No plantão de 26 de maio de 2013,
mais duas decisões favoráveis aos advogados. E no plantão de 23 de dezembro de
2013, outras duas liminares. Estas datas e estes fatos são elencados na
denúncia.
Segundo ainda o MPF, a desembargadora Sérgia Miranda ainda é
acusada de determinar o pagamento de R$ 1.119.932,01 pela massa falida da
empresa Sociedade Imobiliária e Construtora Ltda. (Simcol), mediante a promessa
do gerente operacional Paulo Fernando Mendonça, com o apoio da advogada Cláudia
Adrienne de Oliveira, de pagar mais de R$ 217 mil à magistrada e ao então
namorado dela, Frankraley Gomes.
No núcleo do desembargador Francisco Pedrosa Teixeira, a sua
companheira Emília Maria Lira intermediava a negociação dos habeas corpus
principalmente com o advogado Michel Coutinho, de acordo com a peça acusatória.
As investigações indicaram que os advogados Adaílton Campelo, Marcos Paulo de
Oliveira e Jéssica Melo impetravam os pedidos no Tribunal de Justiça do Ceará.
Conforme o MPF, Emília Maria tinha acesso livre ao gabinete
do seu companheiro, nos plantões, mesmo não tendo nenhum vínculo empregatício
com o TJCE, o que facilitava as decisões favoráveis ao esquema criminoso, de
acordo com a denúncia. O desembargador Francisco Pedrosa teria concedido um
habeas corpus no plantão do dia 10 de setembro de 2013 e outro em 15 de
dezembro do mesmo ano.
No núcleo do desembargador aposentado Váldsen Pereira, a
investigação da PF identificou que o magistrado recebeu R$ 107 mil do advogado
José Joaquim Pereira para proferir decisões em processos envolvendo o concurso
da Polícia Militar do Ceará, entre 2011 e 2012.
Os três desembargadores, o empresário Frankraley Gomes, o
gerente operacional Paulo Mendonça e a dona de casa Emilia Lira foram
denunciados pelo crime de corrupção passiva. Já os oito advogados foram
denunciados por corrupção ativa. As duas práticas criminosas preveem pena de
dois a 12 anos de reclusão e multa. A reportagem procurou o MPF do Distrito
Federal para comentar as acusações, mas a assessoria de imprensa do órgão
informou que os procuradores não iriam conceder entrevista sobre a denúncia.
Defesas
Também foram procuradas todas as defesas dos réus presentes
na denúncia do Ministério Público Federal. O advogado Paulo Quezado, que
representa o desembargador Francisco Pedrosa e a mulher dele, Emília Maria,
afirmou já ter feito leitura do documento e disse entender que "os fatos
são inexistentes. Eles não têm responsabilidade e será aguardada a defesa
preliminar para rebater item a item".
O advogado acusado José Joaquim Mateus Pereira conversou com
a reportagem e afirmou que não tem envolvimento com a venda de liminares nos
plantões do TJCE. Pereira lembrou que a Polícia Federal esteve na sua
residência há um ano e, depois disso, não foi mais procurado pela Justiça para
prestar nenhum esclarecimento.
"Não autorizei a transferência de nenhum valor. Nunca,
na minha vida enquanto advogado, fiz petição criminal. Não tenho nenhuma
participação na transferência de valor. Eu não tenho conhecimento dessa
denúncia do MPF. Quem não deve não teme", acrescentou Joaquim.
Já a defesa do advogado Carlos Eduardo Miranda Melo atendeu a
ligação e optou por não se manifestar, afirmando que "esse processo ainda
está em fase embrionária". Eduardo Miranda também respondeu à reportagem
lembrando que não foi comunicado oficialmente a respeito do documento do MPF.
As defesas dos réus Sérgia Miranda, Váldsen da Silva Alves
Pereira, Frankraley Gomes, Michel Sampaio Coutinho, Jéssica Simão Albuquerque
Melo, Mauro Júnior Rios, Marcos Paulo de Oliveira Sá, Cláudia Adrienne Sampaio
de Oliveira, Paulo Fernando Mendonça e Adailton Freire Campelo também foram
procuradas, mas não atenderam as ligações, nem retornaram.
Nova investigação
O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia,
também requereu, no último dia 10 de novembro, a instauração de um novo
inquérito policial para apurar negociação de liminares pela desembargadora
Sérgia Miranda na desapropriação de um terreno no valor superior a R$ 18
milhões.
Em contrapartida, o vice-procurador-geral da República,
Luciano Mariz Maia, que ofereceu a denúncia contra a magistrada e mais 13
acusados, requereu o arquivamento de vários fatos suspeitos relacionados à
desembargadora Sérgia Miranda e citados na investigação da PF. Entre eles estão
tratativas com um juiz federal, com um desembargador federal e com um
empresário, que pediam a agilização de decisões sobre processos do interesse
deles.
A suspeita da Polícia Federal durante as investigações da
"Expresso 150" era de que a desembargadora teria cometido os crimes
de prevaricação, advocacia administrativa e corrupção passiva privilegiada,
nesses casos. Entretanto, o representante do Ministério Público Federal
entendeu que os crimes apontados pela PF já prescreveram. Conforme o MPF, o
prazo de prescrição para prevaricação e corrupção passiva privilegiada é de
quatro anos e para advocacia administrativa, de três anos.
Fique por dentro
Magistrados e juízes foram afastados do TJ
Em junho de 2015, o desembargador Carlos Feitosa foi afastado
das suas funções por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e
conduzido coercitivamente para prestar esclarecimentos sobre a suposta venda
das liminares. Policiais estiveram no gabinete do magistrado e realizaram
apreensão de documentos. Sérgia Miranda e Francisco Pedrosa também estão
afastados dos cargos.
Outros desembargadores suspeitos de venderem liminares nos
plantões do TJCE são Valdsen da Silva Alves Pereira e Paulo Camelo Timbó. Como
os dois se aposentaram, houve declínio de competência para a Justiça de 1º grau
do Ceará.
Dois juízes também viraram alvos das investigações nas
últimas diligências da PF, em junho deste ano. Onildo Antônio Pereira da Silva
e José Edmilson de Oliveira já foram afastados das funções no Tribunal de
Justiça e pediram a aposentadoria voluntária, com provento proporcional ao
tempo de serviço prestado.
Fonte: Diário do Nordeste
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