De tão importante, a água, e quase só ela, é vista na artéria
que pulsa dentro do rio. Se está seco ou cheio, o manancial será lembrado pelo
que transporta ou deixa de transportar. Em tempo de canais, eixões e cinturões,
o caminho das águas tem perdido um pedaço em importância: as margens e os que
nelas beiram, habitam.
A busca por um território flutuante (no caso, a água)
encontra correnteza na resistência das identidades ribeirinhas.
O Jaguaribe, mais extenso rio do Ceará, é como um corredor de
Sertão em plena metamorfose. Seus ribeirinhos não sabem se vão ou se am.
Os tempos são outros, de rios de cal e cimento - tão
importantes quanto aguardados, como é o caso da transposição do São Francisco.
A recomposição desses corredores afeta o território de suas margens? A chuva,
sim: basta triscar água na planta que fica verde. E basta chover para o
sertanejo, feito planta xeróta, renovar a esperança.
Os açudes são como um coágulo para essa artéria hídrica, ao
ponto de perenizar boa parte, mas nem metade, dos 600 km de rio.
As beiras, portanto, mudam para frente e para trás, conforme
a água chega e vai embora. Esse movimento vai indicar onde plantar na vazante,
ou fincar um poço profundo para tentar chupar água da terra.
Um outro movimento, este cultural e social, é o que dene até
quando o rio, com ou sem água, é importante em suas margens.
Em dezenas de comunidades entre alto, médio e baixo
Jaguaribe, até onde nem açude faz passar uma gota, a menos que chova muito, o
Jaguaribe é chamado pelo nome. São mais de 20 municípios-margens.
Em 2013, percorremos um traçado para identificar as memórias
das águas. Desta vez, passado dá lugar ao presente e ao pressentimento. Se um
rio não é banhado pelas mesmas águas, o que mudou na vida de seus habitantes?
Passamos pelas cidades de Fortim, Aracati, Jaguaruana,
Russas, Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte, Jaguaribara, Jaguaribe, Orós,
Icó, Cariús, Arneiroz e Tauá, sendo o curso do rio pretexto para encontrar
pessoas.
Isabel Pereira, de 78 anos, só se aposentou no papel, pois
acredita que se mantém viva por não parar com a lida na roça; em Orós, os
moradores da comunidade de Santarém, ela toda beira, escapam da seca fazendo
arte. Encenarão "O Quinze", de Rachel de Queiroz. A dona de casa
Maria Creuza nunca entrou num teatro, mas vai estrear de cima do palco
principal do Theatro José de Alencar, em Fortaleza.
Este DOC tem uma parte "seca", nesta edição, e
outra "molhada", no m de semana que vem. São pequenas gotas
narrativas sobre quem se sente do rio, as pessoas jaguaribeiras.
Se o rio, tanto do imaginário quanto real, pulsa até onde não
tem água, em outros lugares deve morar seu coração.
Fonte: Diário do Nordeste
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