Quem é vítima? Em um Estado com média diária de 13 Crimes
Violentos Letais e Intencionais (CVLIs), sobram histórias de inocentes que não
conseguiram driblar a atual guerra urbana. Entre as vítimas da noite de terça-feira
(12), uma ação da Polícia Militar resultou na morte de uma mulher que trafegava
com a filha pela Avenida Oliveira Paiva.
Giselle Távora Araújo, de 42 anos, conduzia um veículo modelo
HB20 branco. Segundo os policiais que participaram da ocorrência, um carro, do
mesmo modelo e cor, teria sido roubado instantes antes. A coincidência fez com
que uma equipe do Motopatrulhamento da PM desse início a uma perseguição, que
teve como alvo as pessoas erradas.
Um disparo feito com uma carabina, ponto 40, atingiu as
costas de Giselle, e provocou a morte da pedagoga e estudante universitária,
hora depois, no Instituto Doutor José Frota (IJF). O tiro trouxe à tona o
questionamento sobre a qualidade do treinamento dos profissionais, que têm como
função garantir a segurança da sociedade.
Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa
Social (SSPDS), de janeiro de 2013 a maio de 2018, 558 pessoas morreram durante
intervenções policiais, no Ceará. O cálculo inclui confrontos armados entre
criminosos e autoridades, que terminaram em morte. A soma da Pasta é feita
separada da dos CVLIs, já que, tecnicamente, não são casos intencionais.
No segundo semestre de 2017, foi divulgado na 11ª Edição do
Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança (FBSP) que a Polícia cearense era a
13ª que mais matava no Brasil. O Fórum também apontou que, entre os anos de
2009 e 2016, 21.892 pessoas foram vítimas de ações letais das Polícias, durante
ocorrências.
Subnotificação
Em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), o FBSP divulgou, há uma semana, o Atlas da Violência no Brasil. O
documento aponta que há subnotificações sobre a autoria de mortes violentas no
País, e o uso da força pelos agentes estatais é um tema central para a
democracia brasileira.
"De um lado, é justamente possível usar a força física,
que distingue os policiais do cidadão comum, desde que isso seja feito de forma
legítima e dentro dos parâmetros de legalidade, necessidade e proporcionalidade,
protegendo a sua vida e a de outro cidadão. Por outro lado, a fronteira entre o
uso legítimo e ilegítimo da força letal é tênue e, por isso, as circunstâncias
muitas vezes não são apuradas de forma adequada no Brasil", diz um trecho
do relatório.
Na busca por informações sobre como os policiais cearenses
são treinados para ir às ruas; e sobre uma possível motivação da alta nos
números de mortes por intervenções policiais, a reportagem solicitou à SSPDS
entrevista com representantes da Segurança Pública do Ceará. De pronto, a
resposta dada pela Pasta foi negativa.
Uso da força
O pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (Lev) da
Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva, acredita que os
investimentos centrados na PM cearense não são feitos para garantir a
excelência do trabalho e capacitação do profissional. Conforme o especialista,
falta fornecer aos servidores qualificações de alto nível para enfrentamento do
crime urbano.
"A política de Segurança Pública do Governo do Ceará se
fundamenta, basicamente, em ações policiais de saturação, com investimentos
centrados na Polícia Militar. Muito pouco ou nada é feito em relação à
assistência social e atenção psicológica de sujeitos que, diariamente, colocam
sua vida em risco. O policial que atua na ponta é o mais desprivilegiado na
cadeia de comando da PMCE, em função de ser o que tem que tomar decisões
rápidas e que menos recebe atenção na corporação", avaliou Luiz Fábio.
Em diversas ocasiões, o Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU) chegou a idealizar o fim da Polícia Militar
no Brasil. Para o estudioso, a solução está em um governo que assuma o
compromisso de enfrentar os fatores que geram crime e violência. Paiva
acrescentou que a Polícia tem uma função social integrada a outras e, por isso,
deve ser pensada em conjunto.
"Enquanto se desejar enfrentar o problema com violência,
estaremos sujeitos ao aumento dessa violência e do crime, pois são fenômenos
que retroalimentam cadeias de injustiça, se reproduzem e vitimam, sobretudo, os
mais pobres desse País. O discurso policialesco busca apenas a reprodução de
quem chegou ao poder utilizando uma retórica que não é útil e só nos gera mais
problemas e violência", pontuou o professor.
Fonte: Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário