"O açude secou. Moro desde criança aqui bem próximo ao
açude e já vivenciei alguns períodos de seca, mas não me lembro de ter visto o
Cedro como nestes últimos anos. Está muito seco. É penoso olhar. Triste".
A fala, em tom de desabafo, do agricultor Francisco de Assis Bessa Pinheiro, de
64 anos, retrata a realidade do Açude Cedro, na cidade de Quixadá. Na frase
consternada, porém, há lugar para um sopro de esparança. Olhando para o céu,
seu Francisco tira o chapéu gasto pela ação do tempo, retira um lenço de tecido
do bolso e o leva ao rosto, enxugando o suor decorrente do forte calor. Após o
ritual, diz: "Vai cair água. Tem que chover! O povo não aguenta
mais", e devolve o chapéu à cabeça de cabelos brancos.
No céu, observado pelo agricultor, nenhum indicativo de nuvem
que possa sinalizar a tão esperada chuva. No peito, entretanto, lá estão todos
os indícios que lhe mantêm firme na caminhada: a fé e a esperança. "O
sertanejo é, antes de mais nada, um povo bravo, que não esmorece e acredita
sempre num futuro melhor. Tenho fé que isso aqui vai voltar a tomar água. A
agricultura vai se recuperar", conta. A menos de 10 metros de onde seu
Francisco tenta profetizar o futuro, duas canoas, ancoradas há meses no leito
do Açude, denunciam a improdutividade do "Velho Rei", como os mais
antigos se referem ao reservatório.
O título majestoso, no entanto, não veste mais o açude,
erguido a partir de ordem do imperador D. Pedro II para solucionar o sufrágio
de milhares de sertanejos no coração do Ceará. Redenção para centenas de
famílias de pequenos produtores rurais, hoje, a primeira obra pública de
barragem no Brasil agoniza diante do descaso governamental e falta d'água na
sua bacia.
A última grande alegria do açude construído no período de
1890 a 1906, ocorreu em 1989, quando sangrou pela última vez. Passadas três
décadas, não acumulou mais o seu volume máximo, 126 milhões de metros cúbicos,
recorda Almir Benício, 63 anos, quase 40 deles na função de agente de
atividades agropecuárias do Dnocs. Desde 2012, ele é o administrador do Cedro.
Coordena uma equipe de seis funcionários.
De acordo com o administrador, além de ser o mais belo e
exótico açude do País, por conta dos seus traços arquitetônicos e da Pedra da
Galinha Choca no seu entorno geográfico, na sua jusante foi projetada a
primeira estrutura complexa de irrigação, através de canais. A água corria até
7,5 quilômetros. Mais de 500 produtores e irrigantes se dedicavam à
cotonicultura - cultura de algodão -, à cana da Índia e forragem para os
animais. Outros 500 trabalhadores rurais se dedicavam à pesca e ao cultivo de
feijão, de milho e de batata. Eles eram conhecidos como ribeirinhos. Quando o
Cedro enchia, havia fatura.
Dificuldade
Como depende exclusivamente das chuvas, cada vez mais
escassas nas últimas décadas, "somente um dilúvio poderá encher sua
barragem novamente", analisa o produtor Flávio Oliveira Cunha.
"Costumam comentar que as muitas barragens construídas
acima do açude dificultam a recarga hídrica. Acompanho essa história desde
criança. Para chegar a sangrar, somente com uma boa chuvarada. Nenhum grande
rio ou riacho deságua nele com volume tão intenso", aponta o agente do
Dnocs, Almir Benício.
Desde a sua construção, a barragem sangrou apenas seis vezes.
A primeira registrada foi em 1924, depois 1925, 1974, 1975, 1986 e 1989. Secou
totalmente em 1930, 1932, 1950, 1999 e na última seca de 2016. Hoje, está
apenas com 890 milhões de m³, o equivalente a 0,71% da sua capacidade.
Por conta dessa dificuldade, a partir da década de 1990, a
água não correu mais nos canais de irrigação. Hoje, a exploração viável para o
Cedro, é turística, por conta dos seus atrativos. O complexo é reconhecido
nacionalmente pela sua importância histórica e sua beleza natural. Esses
predicativos lhe renderam o tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) em 1977. Todavia, neste mais de 110 anos, as três
esferas governamentais públicas, Federal, Estadual e Municipal, nunca criaram
um plano nesse sentido, apesar de o espaço atrair e deslumbrar semanalmente
centenas de visitantes.
Banabuiú
"A dificuldade que enfrentamos aqui poucas pessoas
conseguem imaginar. Pescador sem peixe não tem condição de sobreviver, e peixe
sem água não existe. Vamos levando como dá, mas estamos chegando ao limite. A
esperança é que Deus traga um bom inverno para encher esse açude". O
relato do pescador Jocélio Pereira da Silva, de 48 anos e que há mais de três
décadas se dedica ao ofício, é uma voz uníssona no Sertão Central.
O açude em que ele se referia como "empresa", está
secando ano após ano. O reservatório Arrojado Lisboa, popularmente conhecido
como Açude Banabuiú, homônimo da cidade onde foi construído, é o terceiro maior
do Estado. Atualmente, está apenas com 5,46% de sua capacidade máxima (1,7
bilhão de m³). "Esse açude era uma empresa. Com ele cheio, tinha emprego
para todo mundo e dava para tirar uma boa renda".
Hoje, porém, pouco se vê a água. A "empresa" que
antes era fonte de sustento para 300 pescadores e suas famílias, já não possui
o mesmo vigor de anos atrás. "É triste saber que de onde a gente costumava
tirar peixe para mais de oito caminhões por dia, hoje não conseguimos o
suficiente para encher nem um carrinho de mão", relata o também pescador
César Gusmão.
Controle de cheias
Ironicamente, de acordo com o Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (Dnocs), a represa do Banabuiú foi construída pelo órgão com a
finalidade de controlar as cheias do rio, responsáveis por inundações no Vale
do Jaguaribe. O represamento do afluente viabilizou projetos de irrigação em
Morada Nova, a piscicultura e o aproveitamento das áreas de montante, para a
agropecuária familiar.
Fonte: Diário do Nordeste
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