O canto da avoante, pomba campestre encontrada em todo o
território nacional, está sob risco de não mais ser ouvido em algumas regiões.
A caça predatória ameaça a reprodução da ave que ocorre entre o fim de
fevereiro e início de abril, época em que, consequentemente, aumenta a
incidência da caça. Entre os anos de 2006 e 2018, o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou 224
apreensões no Ceará.
Em 2013, foram 101 apreensões e, no ano seguinte, 26. Em
2015, o número foi reduzido a apenas dez. A baixa coincide com o ano em que os
escritórios no interior do Estado começaram a ser fechados. Naquele ano, uma
portaria da presidência do Ibama determinou o fechamento de várias unidades em
todo o País. O escritório de Crato, na região do Cariri, foi o primeiro a ter
as portas lacradas definitivamente. Dois anos depois, foi a vez das unidades de
Aracati, Sobral e Iguatu encerrarem suas atividades de forma permanente.
Proteção
Este último Município, na região Centro-Sul do Estado,
possuía escritório há quase 30 anos. Três analistas e seis funcionários
terceirizados mantinham ações de combate ao tráfico de animais silvestres e de
proteção da fauna em uma extensa área, abrangendo 55 cidades nas regiões
Centro-Sul, Cariri, Inhamuns, Sertão Central, Vale do Jaguaribe e Sertões de
Crateús.
As demandas de fiscalização ficaram sob a responsabilidade da
superintendência do Ibama, em Fortaleza. O temor de ambientalistas e
representantes de organizações ligadas ao meio ambiente, é de que essa redução
passe a ser uma constante.
"Antes tínhamos a quem recorrer. Quando queríamos
denunciar algum crime ambiental, íamos pessoalmente até o escritório. Hoje, tem
que ser por e-mail ou por telefone e, geralmente, na grande maioria dos casos,
não há uma solução", lamenta Dausio Alves, integrante do Movimento Faça
Parte Iguatu, que luta em defesa do meio ambiente.
Ele avalia ainda que o sentimento de impunidade cresceu e,
por conta disso, os crimes "se multiplicarão". "A cada ano se
perde inúmeras espécies e há desmatamento desenfreado. Se antes já era difícil
fiscalizar, agora está mais ainda. As pessoas acham que podem fazer tudo e que
não serão responsabilizadas. Nós, que lutamos em prol do meio ambiente, nos
sentimos frustrados. É um grande retrocesso", completou.
Já o superintendente do Ibama no Ceará, Herbert Lobo,
minimizou os impactos negativos e explicou que as fiscalizações agora seguem um
calendário pré-agendado. "Agimos de maneira mais assertiva e pontual nas
áreas que merecem atenção específica", pondera. Conforme o
superintendente, a quantidade de operações não declinou após o fechamento dos
escritórios interioranos. "Mantém-se mais ou menos igual".
Concomitantemente ao encerramento das atividades das unidades
de Crato, Iguatu, Sobral e Aracati, houve redução substancial no quadro de
funcionários do órgão. Em 2016, eram 139 servidores ativos no Ceará. No ano
seguinte, o número foi reduzido para 115 e, em 2018, apenas 98, mesmo
contingente no início deste ano. Um dos principais motivos que ocasiona a
carência de pessoal, segundo Herbert Lobo, é a aposentadoria de parte dos
funcionários, além de licença, cessão para outros órgãos e também falecimento.
As seleções, que poderiam suprir a carência no quadro de
funcionários, não ocorrem há cinco anos. O último processo seletivo foi
realizado em 2013, desde então, não houve novas entradas de servidores. Para
este ano, não há previsão de autorizações para concurso, conforme o Ministério
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Alternativas
Com 76% a menos no quadro de servidores e com o agravante de
quatro escritórios fechados, o Ibama buscou soluções efetivas para manter as
operações sem que ensejam em prejuízo para a fauna e flora. Uma das
alternativas encontradas, segundo Herbert, foi redirecionar a fiscalização para
o monitoramento via imagens de satélite e do setor de Inteligência.
"Anualmente nos reunimos para traçar as áreas definidas como prioridade.
Com o trabalho planejado, é possível cobrir todo o Estado", avalia o
superintendente da autarquia. No ano passado o Ibama aplicou, no Ceará, R$ 14.607
milhões em autuações. "Esse valor condiz com todos os tipos de
infrações". Os principais crimes registrados foram: contra a fauna, pesca
ilegal e desmatamento ilegal.
Danusio Alves reconhece o trabalho dos servidores mas
mantém-se crítico quanto à redução nos quantitativos de funcionários e
escritórios.
É um prejuízo imensurável. Em um bioma como o nosso, que está
em sério e iminente risco de desertificação, não se pode fazer cortes tão
drásticos. Quando uma espécie entrar em extinção, não terá dinheiro nenhum que
será capaz de trazê-la de volta ao ecossistema".
O temor do ativista já pode ser constatado na prática. Aves
que há até bem pouco tempo eram vistas no sertão cearense estão desaparecendo
ante a ação predadora do homem. O canário-da-terra é um exemplo. Existia em
quantidade nas matas e nas roças do interior. Hoje só é encontrado fora do
Brasil, em países como Peru e Bolívia.
Fonte: Diário do Nordeste
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