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O Açude Gangorra voltou a sangrar na manhã de ontem, criando uma pequena cachoeira. Há sete anos, o reservatório não atingia seu volume máximo |
A quadra chuvosa chegou ao Estado trazendo um cenário
desigual aos açudes cearenses. Enquanto uma parcela segue diariamente recebendo
substancial e importante aporte hídrico, outra parte amarga sucessivas perdas
de volume.
O primeiro cenário, no entanto, não traz apenas comemoração
ao sertanejo. A preocupação, sentimento que deveria não ser experimentado num
momento de boas chuvas, se fez presente em várias cidades do Estado devido à
precariedade estrutural de alguns açudes de pequeno e médio portes.
A construção irregular, sem licença da Secretaria de Recursos
Hídricos do Estado do Ceará (SRH), ou a deficitária fiscalização do órgão,
convergem em uma situação de risco iminente.
Nos últimos quatro dias, pelo menos três açudes apresentaram
perigo de rompimento.
Em Pacajus, o Açude Luiz Carlos começou a sangrar no início
da semana. A força da água preocupa os quase oito mil habitantes do bairro
Coaçu, onde o reservatório foi construído há mais de 40 anos. A parede do
sangradouro está deteriorada e apresenta diversas rachaduras e infiltrações.
Ontem, a Secretaria de Infraestrutura do Município iniciou
uma operação paliativa, para reforçar a parede da barragem, instalando pedras e
blocos de piçarra.
O Açude Granjeiro, localizado entre Ubajara e Ibiapina,
também estava com risco iminente de rompimento. Uma força-tarefa foi montada
entre Defesa Civil do Estado, Agência Nacional das Águas (Ana), poder público
municipal e a população para conter a água. Mais de 100 pessoas se envolveram
na ação. Cerca de 12 mil sacos de areia foram utilizados como medida
emergencial para diminuir os riscos de desabamento. Próximo ao reservatório,
moram mais de três mil pessoas.
Alívio
Por lá, as notícias não são apenas de cunho preocupante. O
Norte do Estado foi uma das regiões mais atingidas pelas chuvas no início desta
quadra chuvosa. Ontem, o Açude Gangorra, em Granja, voltou a sangrar após sete
anos. Construído em 1999, sobre o leito do riacho Gangorra, o Açude tem
capacidade para 62 milhões de metros cúbicos. Sua sangria trouxe, além de
alegria, alívio para a população que há anos amargava prejuízos com a lavoura.
Ele é o responsável pelo abastecimento de Granja e distritos vizinhos.
O Gangorra não é o único a estar sangrando na Região Norte.
Dos 14 açudes que atualmente alcançaram a capacidade máxima, a metade fica
situada por lá.
Enquanto isso...
O contraste deste cenário de fartura de água - e de temor
quanto ao rompimento de algumas barragens - é notado no sertão dos Inhamuns.
Somente na cidade de Tauá, três reservatórios estão completamente secos. As
chuvas escassas desde janeiro passado já provocam perda da lavoura de grãos
(milho, feijão) e de outras culturas nos Inhamuns.
O quadro é desolador para os produtores rurais. Os açudes
estão com reduzido volume, e os poços estão secando. Se o quadro persistir nos
próximos dias, muitos já pensam em vender parte do rebanho bovino e ovino por
falta de alimentação e de água. Uma das áreas mais críticas é o distrito de
Carrapateiras, distante 25 km do centro urbano. No sítio Altamira, o cultivo de
sequeiro (aquele que depende exclusivamente da chuva) já está perdido.
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A comunidade do Distrito de Carrapateiras amarga inúmeros prejuízos. A escassez de chuvas afetou o cultivo de sequeiro.Foto: Honório Barbosa |
Quem preparou a terra em fevereiro ainda não conseguiu fazer
o plantio porque o solo está seco. "As chuvas são poucas e irregulares e
nunca vi uma coisa assim", disse o agricultor Manoel Siqueira de Melo, de
72 anos. "Fiz quatro plantas e todas morreram".
O agricultor Francisco Carlos de Oliveira, 70 anos, disse
estar desesperado e com dificuldades de dormir. "A forragem (capim nativo)
já acabou, a terra está seca, e os bichos já começam a passar fome",
lamentou. "O plantio de sorgo, milho e feijão já se perdeu". A mulher
dele, Maria do Espírito Santo Lopes de Oliveira, mantém a fé de que as chuvas
vão voltar. "Estou confiante de que ainda vai chover".
O secretário de Agricultura e Recursos Hídricos de Tauá, João
Evonilson de Souza, observa que o abastecimento de água da cidade está
garantido para este ano, pois o açude Trici acumula 45% e há ainda a adutora
emergencial do reservatório Arneiroz II. "Se não houver recarga, a situação
vai ficar muito difícil no próximo ano", prevê.
Prejuízo
Todas as áreas de produção agrícola em Tauá registram perda
do plantio de grãos de sequeiro. "O quadro é geral, diariamente, os
agricultores reclamam da situação que estão enfrentando", disse Rejane
Castro, secretária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá. "Tem
sido muito ruim para os produtores e por isso ocorre o aumento do êxodo rural
por parte dos jovens, que não têm oportunidade no campo".
A zona rural do Município de Tauá é abastecida por 65
caminhões da Operação Pipa do Exército. São atendidas cerca de três mil
famílias em mais de 50 comunidades, de acordo com dados da Coordenadoria
Municipal de Defesa Civil (Comdec).
"Se não chover bem, a tendência é a situação se agravar
no segundo semestre", explica o coordenador da Comdec, José Hilton de
Souza. A produtora rural, Raimunda Tertuliano de Melo, no entanto, disse manter
viva a esperança de chuvas na região.
"Muitos falam que o prazo é até o Dia de São José (19 de
março), mas espero mais, até lá pra junho". As chuvas irregulares são
comuns no Ceará. A localização geográfica e o fenômeno indutor das chuvas neste
período, a Zona de Convergência Intertropical (ZCTI), que se altera com
frequência, dificultam a estabilidade das precipitações.
Fonte: Diário do Nordeste
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