A população carcerária cearense não para de crescer. Os presídios, historicamente, sofrem ainda mais com esse gargalo - o que se acentuou com a desativação de dezenas de cadeias públicas no Estado. Dados da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) mostram que as grandes unidades terminaram o último mês de março com 21.650 presos para apenas 9.736 vagas, o que representa um excedente de 11.914 internos (ou 122,3%).
Em março de 2018, os presídios reuniam 15.557 detentos e tinham 9.168 vagas - o excedente era de 6.389 (ou 69,7%). O comparativo apresenta que, em um ano, o Estado criou apenas 568 vagas e recebeu, em contrapartida, 6.093 pessoas suspeitas de cometerem infrações criminais.
A presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), advogada Ruth Leite Vieira, vê a superlotação com preocupação. "A superlotação, em si, já retrata que todas as assistências fundamentais aos internos estão prejudicadas. A saúde e o jurídico, por exemplo, não vão atender. Se as autoridades não tomarem uma medida para solucionar esse problema, serão irresponsáveis. É impossível se ressocializar nesse ambiente, além do que impossibilita a individualização da pena", critica Ruth Leite.
A maioria dos ingressos nas grandes penitenciárias é proveniente de unidades menores. A SAP fechou, somente neste ano, o total de 98 cadeias públicas que não tinham mais estrutura para manter os presos, no interior. Na primeira coletiva de imprensa de sua gestão, realizada ontem, o titular da SAP, Luís Mauro Albuquerque, ressaltou que o fechamento foi necessário e que a Pasta fez uma triagem dos detentos.
"Tiramos as pessoas (presas) de perto dos seus parentes, mas demos melhores condições a elas. As cadeias públicas não tinham condições de segurança, colocavam em risco a população, era um verdadeiro 'faz de contas'. Desses presos que a gente trouxe para a Capital, aqueles que têm perfil de menor risco para a sociedade, a gente tem devolvido para o interior. Só vem para a Capital o preso que é realmente problemático, que tenha perfil que traz risco à sociedade", alega.
O Estado espera desafogar o Sistema Penitenciário, ainda neste ano, com a criação de quatro grandes unidades, que já estão em construção. Dois deles terão o status de presídios regionais, em Horizonte e Tianguá; e os outros dois, localizados na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), serão voltados para o regime semiaberto e para atender a uma demanda de segurança máxima.
Outra medida é aumentar o uso das tornozeleiras eletrônicas. Hoje, 3.762 pessoas são monitoradas 24 horas pelo equipamento no Ceará. Albuquerque revelou que, para diminuir os gastos, o Governo estuda a criação de uma lei que irá obrigar o preso a custear com o valor da tecnologia, caso ele desfrute dessa condição financeira.
Ruth Vieira acrescenta que o problema precisa ser enfrentado pelas diversas forças estaduais. "O Estado não é só a Secretaria da Administração Penitenciária. A superlotação é responsabilidade do Poder Executivo, do Poder Judiciário, da Defensoria Pública e do Ministério Público. Existem, sim, alternativas, mas os responsáveis e a sociedade não acreditam nelas", afirma.
Trabalho
Mauro Albuquerque chamou a imprensa para mostrar os resultados dos 100 dias em que ele está à frente da SAP. O secretário apresentou números positivos, como o aumento de 300% na realização de audiências judiciais por videoconferência nos presídios; o atendimento jurídico a 7.101 presos; o envolvimento de 2.565 internos com projetos de qualificação profissional e 2.481, estudando. A gestão, desde o início, tem sido marcada por endurecimento das regras e denúncias de tortura. Um relatório divulgado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), no início deste mês, apontou a presença de "indícios de práticas de tortura generalizada" no sistema penitenciário cearense e fortaleceu os relatos de familiares e advogados dos internos.
Questionado sobre o assunto, o secretário rebateu as denúncias: "Fico preocupado porque eles não mostraram tudo, mostraram só o que achavam que deviam mostrar. O relatório não fala nada das reformas, que a gente triplicou os atendimentos médicos. Não reconheço (ações de tortura). O que teve foi enfrentamento. Lógico que teve pessoas que se feriram, tudo superficialmente", afirmou.
O endurecimento no cárcere foi empregado com apoio da Força Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), do Governo Federal, que se encontra no Ceará desde janeiro deste ano, após o início da série de ataques criminosos - ordenados de dentro dos presídios. Ontem, a SAP confirmou que a Força Nacional irá ficar mais 30 dias no Estado e o objetivo é mantê-la outros 60 dias, para terminar o treinamento dos agentes penitenciários cearenses.
Facções
Apesar da mudança no Sistema Penitenciário cearense, os presos continuam separados pelas organizações criminosas a que pertencem, apesar de existirem membros de facções diferentes em uma mesma unidade (mas não na mesma ala).
"Uma grande parte das nossas unidades já está totalmente mesclada. Estou reestruturando o sistema, implementando os treinamentos, para colocar cada um no seu lugar. É questão de seguro, eu não vou colocar um preso por crime sexual dentro de uma cela com um preso que não é. A gente separa por perfil do preso. As pessoas que não podem conviver em alas porque fazem parte de grupo criminoso A ou B vai para o seguro", reconhece o secretário Luís Mauro Albuquerque.
Fonte: Diário do Nordeste
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