Em menos de um ano, 103 desaparecimentos de meninas, entre 13
e 17 anos, foram registrados em Fortaleza. Vinte seis continuam desaparecidas,
duas morreram e 75 foram encontradas vivas. Perfis, justificativas e histórias
dos mais diversos tipos. Muitas saem de casa de forma voluntária, buscam
liberdades e outras realidades. No meio desse processo geracional da
adolescência, o risco iminente e real da morte oriunda da violência urbana.
O relatório do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios
na Adolescência de 2018 já dava conta da vulnerabilidade a qual as adolescentes
estão expostas. Em Fortaleza, de 2016 para 2018, o total de meninas
assassinadas passou de seis para 53 casos. Casos como o das adolescentes
Luzyara Rodrigues dos Santos, 16, e Karolina Moares de Melo, 18. Elas tiveram a
cabeça raspada, apresentavam lesões por espancamento e pichações no corpo com o
nome de uma facção criminosa.
Antes de serem mortas, elas desaparecem. Saem de casa com uma
mochila, dizem que vão à casa de amigas e não voltam mais. Algumas mantêm comunicação
com os pais, relatando histórias sem muitos detalhes e com muitos desencontros.
Dias depois, os pais procuram ajuda. Mas pode ser tarde demais.
"Existem várias situações envolvendo meninas, em regiões
onde há relatos de exploração sexual de adolescentes. E a gente começa a
'linkar' e fazer o trabalho de inteligência em cima disso", afirma a
titular da 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa
(DHPP), Arlete Silveira. A unidade foi criada em julho de 2018 com o objetivo
específico de investigar casos de pessoas desaparecidas.
No caso de meninas, o pano de fundo muitas vezes é:
adolescentes aliciadas, que transitam entre territórios dominados por facções
criminosas diferentes, que vão a festas em bairros distantes, que flertam com
meninos envolvidos com o crime ou batizados por grupos criminosos. São os
primeiros passos para um destino imprevisível. Por isso, a busca nas primeiras
24 horas desde o desaparecimento é tão importante.
A delegada ressalta as condições de vulnerabilidade que os
casos exibem e que são fundamentais para que o risco ao homicídio seja
identificado. "Quem é a menina que desapareceu? Qual o risco dela? Tem o
uso de drogas? De conflito no território? Está fora da escola?", descreve
a delegada. O trabalho de inteligência não pode ser detalhado, mas é por causa
dessa atuação, que mobiliza núcleos de diferentes esferas da segurança pública,
que muitas meninas conseguem voltar para casa.
O crime que atrai adolescentes
Um Estado que não garante proteção, uma família desprotegida
que não dá apoio, a menina que flerta com a criminalidade e materializa ali
seus desejos juvenis. Quantas adolescentes não se deixam sucumbir pela paixão?
Quando isso acontece em territórios dominados por facções criminosas, ser vista
já representa perigo.
"O envolvimento delas está cada vez mais direto com o
tráfico porque elas moram onde o tráfico acontece. Muitas não têm
periculosidade, não traficam. Elas vivem uma história de amor", conta a
psicóloga do Núcleo de Atendimento Jurídico Especializado do Adolescente em
Conflito com a Lei (Nuaja), da Defensoria Pública do Ceará, Isabelle Barbosa
Nogueira. A análise se baseia no crescimento tanto de meninas cumprindo medidas
socioeducativas como de companheiras dos adolescentes em conflito com a lei.
Nessa relação amorosa, regida pelo distanciamento da família
e pelas regras da criminalidade, as adolescentes tornam-se alvo frágil. Entre
as histórias que escuta e ajuda, Isabelle ressalta que o principal fator de
risco é essa menina apenas ser vista. "Mesmo tendo um vínculo familiar
forte, ela mora na comunidade, vê o que acontece e também é vista. Se um cara
envolvido com o crime gosta dela, ele vai lá", afirma. Se a resposta é
não, ela é ameaçada.
Se a resposta for sim, ali se inicia uma adesão não apenas ao
relacionamento amoroso, mas também aos códigos de honra inerentes aos grupos.
"Geralmente tem violência. Os meninos as ameaçam quando elas querem
terminar. Se ela namora com um rapaz de facção, de maneira alguma ela pode
trair. Principalmente se ele for reconhecido naquele mundo pela
periculosidade", conta a psicóloga.
Para Hayeska Costa Barroso, pesquisadora do Observatório da
Violência contra a Mulher da Universidade Estadual do Ceará (Observem), não é
possível pensar violência urbana sem pensar gênero. "Muitas vezes elas
procuram o papel de regulação da vida que a família não conseguiu, que a escola
não cumpriu e o Estado não garantiu", ratifica. Meninas, historicamente
silenciadas, que procuram na rua o espaço de visibilidade.
"Os jovens da periferia têm poucas possibilidades de
escolha. E se o que aparece é a inclusão por meio de facções criminosas, que
assim seja", afirma a pesquisadora. "O fato de muitas não cumprirem
uma função na organização, de serem apenas companheiras, não quer dizer que
estão isentas. As regras se estendem a elas e às suas famílias", complementa.
O POVO solicitou informações mais detalhadas sobre pessoas
desaparecidas. Dias depois, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social
(SSPDS) afirmou que a demanda ainda não tinha sido contemplada pelo setor de
estatística. O POVO solicitou ainda entrevista junto ao Conselho Tutelar de
Fortaleza, mas após várias tentativas, os conselheiros contactados não
atenderam ao pedido.
O POVO - SARA OLIVEIRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário