O protagonismo que o Congresso Nacional exerceu sobre a pauta política ao longo de todo o ano poderá trazer benefícios como a aprovação da reforma da Previdência e o início da discussão sobre as mudanças tributárias. Contudo, 2019 também ficará marcado pelo ataque dos parlamentares aos cofres do país. Um ataque legal, diga-se, mas imoral diante do buraco financeiro em que a nação se encontra. Recentemente, os parlamentares aumentaram os fundos eleitoral e partidário, que passaram de 1,7 bilhão para 1,86 bilhão de reais. Mas a facada maior veio na forma de emendas parlamentares: 16,15 bilhões de reais, um recorde histórico. Somando-se todas essas manobras ao fundo partidário, eles terão 17,11 bilhões de reais para torrar no próximo ano. O volume de recursos equivale a 88,6% do total de dinheiro que estará disponível para o governo federal gastar em 2020: 19,3 bilhões de reais.
Caso a destinação desses valores fosse eficiente, seria algo a celebrar. Não é, porém, o que mostra o levantamento realizado por VEJA sobre as emendas dos deputados que pretendem disputar as eleições municipais de 2020. Na miríade de projetos improdutivos, as bizarrices abundam: quase uma dezena de deputados destinou verbas para a castração de animais, por exemplo. Encontram-se também obras de claro apelo eleitoral que não deveriam ser prioridade em momento de aperto de cintos, como acessos a rodovias e a construção de uma ponte estaiada em Aracaju. De olho na prefeitura de Curitiba, o deputado Gustavo Fruet (PDT-PR) pretende levar 15 milhões de reais para a construção do metrô na cidade, obra discutida há mais de vinte anos. Agora vai? Pouco provável. O custo total do projeto é de 5,8 bilhões de reais. Ou seja, o movimento de Fruet serve mais para o palanque do que para efeitos práticos. Para piorar o cenário de gastança, mudanças feitas na lei do fundo eleitoral permitem que parte significativa desse montante seja usada no pagamento de multas e a advogados — inclusive em casos de corrupção.
A farra dos legisladores exaspera o Executivo. Assessores de Paulo Guedes, ministro da Economia, passaram o chapéu pelas duas Casas nas últimas semanas para pedir que as emendas alavancassem programas já estabelecidos no governo na área da saúde. Não há, até agora, sinal de que serão atendidos. Projeto dos outros, afinal, não rende votos.
No vale-tudo dos últimos anos da discussão orçamentária, o Congresso levou a melhor, conquistando uma licença para gastar. As emendas impositivas foram criadas em 2015 e, desde as eleições de 2018, as campanhas são bancadas somente com dinheiro público e de pessoas físicas. Sem as fontes tradicionais de financiamento, os políticos usam agora essa verba para fazer obras e impulsionar as campanhas em seus redutos eleitorais.
A busca por inflar ao máximo os recursos à mão de deputados e senadores tem uma explicação: a partir das próximas eleições, as coligações partidárias deixarão de existir. Se não formarem uma ampla base de prefeitos e vereadores, as agremiações sofrerão com a perda de cotas dos fundos para 2022. Por isso, o maior contingente de deputados desde 2008 deixará os gabinetes em Brasília para disputar o comando de prefeituras. São oitenta deputados e dois senadores, segundo a consultoria Arko Advice.
Fica cada vez mais evidente que as emendas impositivas não são o melhor caminho para a execução de investimentos públicos. “Enquanto o Tesouro Nacional publica relatórios que mostram a situação fiscal crítica, os deputados voltam-se apenas para os seus interesses”, conclui o economista André Marques, do Insper. A conta não fecha — e o Brasil é que perde com isso.
Miséria
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