Após a comissão dos três poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) retroceder no diálogo com os policiais
militares (PMs) amotinados, que querem novos interlocutores para representar a
categoria, outras instituições têm se mobilizado para pressionar o fim dos
motins no Estado. Ontem, o presidente da Assembleia Legislativa, José Sarto
(PDT), se reuniu à noite com líderes partidários e de blocos e com a Mesa
Diretora para convocar sessão extraordinária a fim de apreciar Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) do governador Camilo Santana (PT), que prevê a
proibição de anistia ou perdão por infrações disciplinares cometidas por PMs
envolvidos em movimentos de paralisação ou motins. Os dias reservados para as
deliberações são hoje, domingo, segunda e terça.
Em paralelo, o Ministério Público
Federal no Ceará (MPF-CE) instaurou procedimento para investigar a prática de
crimes “contra a Segurança Nacional, a ordem política e social na greve de
policiais militares do Ceará”.
Apesar de greves de policiais já
serem vedadas pela Constituição Federal, os dois órgãos atuam para reforçar a
necessidade de se fazer cumprir o que diz a lei, principalmente após tentativas
fracassadas de acordo com os amotinados para que eles desocupem unidades
militares e voltem aos trabalhos.
“É preciso que se reafirme que
não haverá anistia, porque um policial militar que usa balaclava e arma para
aterrorizar a população é bandido. É preciso que eles sejam responsabilizados
por esses abusos e excessos, que são crimes. Quem entra na Força Militar já vai
sabendo que é inconstitucional fazer greve, motim, porque são servidores
públicos armados. E dois princípios básicos da função militar são: hierarquia e
disciplina”, enfatizou Sarto.
Ele reforçou que a punição se
torna necessária pelo fato de os amotinados terem utilizado o Carnaval para
pressionar o Governo a ceder. “Lamentavelmente, eles usaram o Carnaval como
moeda de troca para prejudicar nove milhões de cearenses. Isso é uma
irresponsabilidade sem precedentes da história da Instituição”, acrescentou.
Proposta
Por se tratar de uma proposta de
emenda à Constituição do Estado, o presidente da Assembleia deve colocar para
votação, amanhã, a quebra de interstício para aprovar a matéria dentro do prazo
solicitado para a sessão extraordinária, com a análise podendo ser concluída
ainda neste fim de semana. O interstício é o intervalo mínimo para uma PEC
tramitar no Parlamento antes de ser colocada em votação. Pelo Regimento Interno
da Casa, entre a primeira e a segunda discussão, há um intervalo de 48 horas,
exceto para proposições em regime de urgência.
No entanto, antes das discussões
em plenário, a matéria é encaminhada à comissão competente, que tem entre 5 e
15 dias para emitir parecer, a depender se tramita em regime de urgência ou
conforme o Regimento. Esses prazos podem ser diminuídos com a quebra de
interstício.
A proposta do Governo chegou
ontem e deve ser lida hoje em plenário. No projeto, ele pede regime de urgência
para apreciação da matéria, o que deve ser votado hoje. O Exército deve
reforçar a segurança no entorno da Assembleia.
Depois de ser lida, a matéria segue
para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Caso haja quebra de prazos,
ela pode ser colocada em pauta no domingo, após parecer da comissão. Por se
tratar de PEC, a medida tem que ser votada em dois turnos, que podem ocorrer
sucessivamente.
Entenda o caso
Na quinta-feira (27), o então
representante dos policiais, coronel reformado do Exército Walmir Medeiros,
apresentou à comissão dos três poderes uma lista com 18 reivindicações dos PMs.
Mais tarde, o colegiado voltou a se reunir com o coronel e outros interlocutores
da classe, que colocaram como principais itens da pauta: anistia, reajuste
salarial e regulamentação da carga horária.
Ontem, eles se encontraram
novamente, e a comissão informou que não podia negociar com os representantes
apresentados, pois não teriam legitimidade da classe, já que não unificavam a
opinião da tropa. Os militares, por sua vez, sugeriram o nome do ex-deputado
federal Cabo Sabino para ser o interlocutor, o que não foi aceito pela
comissão. Os PMs apontaram, depois, o Soldado Prisco (PSC), deputado estadual
da Bahia, e outros nomes.
Sobre os pontos reivindicados, a
proposta do governador Camilo Santana enviada à Assembleia deixa claro que a
anistia não está em negociação. Segundo o representante do Legislativo na
comissão, deputado Evandro Leitão (PDT), o Governo propõe acompanhar todos os
processos instaurados junto com uma comissão externa, para que todos os
direitos sejam garantidos. “Seria o processo legal, sem retaliação a quem quer
que seja. Analisando cada ilícito cometido”.
MPF
O procedimento aberto no MPF irá
apurar se os atos cometidos pelos amotinados durante as paralisações dos PMs
podem ser enquadrados como crimes tipificados na Lei de Segurança Nacional (Lei
7.170/83).
Conforme a norma, é crime sabotar
instalações militares, meios de comunicação, transportes, portos, aeroportos,
barragens, fábricas, usinas, entre outros. Além disso, o fato de tentar
impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de
qualquer um dos Poderes da União ou dos estados, assim como incitar a subversão
da ordem política ou social, são considerados crimes.
O MPF destaca que, durante os
motins, unidades militares foram ocupadas na Capital e no interior, e homens
mascarados retiraram viaturas das ruas, esvaziando pneus e rendendo os
ocupantes dos veículos para pressioná-los a aderir ao movimento.
O órgão cita, inclusive, o caso
de Sobral, em que o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi atingido por dois
tiros ao tentar entrar, com um retroescavadeira, em um batalhão da Polícia
Militar ocupado por PMs. Na avaliação do órgão, as ações podem colocar em risco
o Estado de Direito.
‘Alguns crimes são inerentes à
prisão’
Diante do cenário ainda nebuloso
sobre a possibilidade de um acordo entre os policiais militares amotinados e o
Governo do Estado, o procurador-chefe do Ministério Público Federal no Ceará
(MPF-CE), Rômulo Conrado, avalia que alguns atos cometidos pelos agentes da
Segurança Pública são crimes inerentes “aos tipos penais de prisão”.
De acordo com ele, enquadram-se
na regra: praticar sabotagem contra unidades militares e transportes,
barricadas, tomadas de viaturas, conduta sistemática de secar pneus e prejuízos
ao funcionamento dos meios de Segurança.
“Essas condutas prejudicam o
funcionamento dos Poderes”, destaca.
Ainda conforme Rômulo Conrado, o
procedimento investigativo para apurar ações dos policiais militares durante os
mais de dez dias de motins foi aberto pelo fato de algumas atitudes
extrapolarem os limites da Justiça Militar, ferindo a Lei de Segurança
Nacional.
A súmula 90 do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) estabelece que compete à Justiça Estadual Militar processar e
julgar o policial militar no âmbito de crimes militares, e à Justiça comum pela
prática de crimes simultâneos à sua esfera.
“Algumas condutas, não temos
competência (para analisar). O que nos couber, nós vamos aprofundar”, destacou
o procurador-chefe.
Apesar de ainda não ter um prazo
definido, Rômulo Conrado ressaltou que informações já estão sendo requisitadas
a vários órgãos para verificar o que pode ser investigado no âmbito do MPF.
“Vamos fazer análise documental.
A depender disso, serão necessárias oitivas de testemunhas. Qualquer medida
será bem embasada e fundamentada para garantir a aplicação correta da lei”,
esclarece.
Apesar da necessidade dos
procedimentos investigativos, o procurador-chefe do MPF no Ceará pondera que é
necessário um “diálogo permanente” com os amotinados para chegar a um consenso
que atenda aos interesses da sociedade. “Há prejuízos à vida e à Segurança”,
enfatiza.
Sobre o episódio envolvendo o
senador licenciado Cid Gomes (PDT) e policiais amotinadas em um quartel de Sobral,
Conrado informou que um procedimento está tramitando na Procuradoria da
República em Sobral. Ele não disse, no entanto, quando o procedimento deve ser
concluído.
Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário