Para as pessoas diagnosticadas com Alzheimer, o tempo parece apagar as histórias enquanto se move, e a luta contra o relógio se torna também uma busca pela permanência das memórias. Mesmo em processos graduais, sempre é muito mais o que se perde do que aquilo que fica. A dona de casa Hilda Santos da Cunha, 82 anos, e a professora aposentada Iracema Nobre, 76 anos, estão entre as 71.374 pessoas acima de 60 contabilizadas com Alzheimer em 2019, no Ceará.
Segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), em 2017 havia 67.663 casos de pessoas com a doença localizados na faixa etária acima de 60 anos, idade de maior incidência da doença. Em 2018 esse número foi de 69.430, enquanto em 2019, subiu para 71.374 pessoas, apresentando aumento de 5,48% desde 2017. Portanto, o Estado tem uma média de 1,8 mil novos casos de Alzheimer por ano.
Na visão do presidente da Associação Brasileira de Alzheimer no Ceará (Abraz-CE), Phelipe Cabral, este aumento se deve ao envelhecimento da população. "É um país que está envelhecendo. O número de pessoas que está vivendo e transpondo acima de 60 anos já é uma realidade. Quanto maior o nível de expectativa de vida, também gera provavelmente um número maior de doenças crônicas degenerativas. O Alzheimer é uma delas", explica.
Para Hilda, a percepção de que algo estava errado ocorreu quando esqueceu o aniversário de sua filha pela primeira vez. A aposentada, mãe de quatro filhos homens, tinha o sonho de ter uma mulher. Perdeu duas meninas antes de Ana Lucia da Cunha Cavalcante, 44 anos, nascer. "Eu fui muito esperada, então todos os anos ela sempre fazia um bolinho fofo para comemorar. Podia estar na situação crítica que fosse, mas ela fazia", compartilha a filha. No entanto, após o diagnóstico do Alzheimer aos 70 anos, até as atividades mais corriqueiras começaram a se perder.
Houve um ano em que o aniversário de Ana chegou, mas a mãe não lembrou. Nesse dia, Hilda não conseguiu conter o choro. "Ela começou a dizer 'eu não me lembro mais do dia em que ela nasceu, a data mais importante da vida dela e eu esqueci'. Foi o único episódio que ela percebeu", a dona de casa comenta.
Ao descobrir a doença, foi uma opção da família não compartilhar com a paciente o que significava ter Alzheimer. "Ela nunca teve noção do que era, nem quando começou, nem agora. Eu achei que seria um sofrimento indevido, desnecessário", pontua.
No caso da professora aposentada Iracema Nobre, o processo de esquecimento transcorreu de modo muito rápido. "Quando ela foi ao médico, já chegou com o Alzheimer bem avançado", pontua a neta Karoline Farias, 22 anos. Para os familiares, é difícil lidar com as mudanças que a doença trouxe para Iracema, como os protestos no momento de fazer o que não deseja. "Ela não é agressiva ao ponto de bater, mas quando não quer tomar banho, começa a 'criar'. A gente fica com vergonha dos vizinhos, porque ela pede socorro, diz que não aguenta mais. Acho que é a parte mais complicada", diz.
Porém, em todo o percurso da doença, o esquecimento causado é uma dor constante. Iracema chora quando se lembra do filho ou do pai, únicas pessoas que ainda a trazem de volta para a realidade. "Ela tem um amor enorme pelo meu tio, único filho homem. É a coisa que ela jamais esquece. Se falar, ela começa a chorar e a lembrar", diz Karoline.
A neta, criada por Iracema, se emociona quando percebe que as lembranças estão sendo perdidas pela avó. Em sua infância, era comum ser colocada no colo para ter seu cabelo enrolado pelos dedos da mãe de criação. "Ela costumava cantar duas cantigas de roda para mim e para meu irmão, músicas antigas para os filhos dela e para a gente também. São lembranças que ficam, para a gente, e que ela não lembra de jeito nenhum".
Estímulos
Uma vez recebido o diagnóstico da doença, o presidente da Associação Brasileira de Alzheimer no Ceará (Abraz/CE), Phelipe Cabral, vê como essencial a realização de terapias físicas e mentais que estimulem o paciente. "O tratamento vem justamente retardar a progressão da doença, manter a qualidade funcional, o controle comportamental e a harmonia social", frisa.
A semana de Hilda Santos é marcada por atividades que vão desde o convívio com amigas até a realização de atividades físicas. "Três vezes por semana ela faz hidroginástica. Só de sair, ver as colegas, é de suma importância. A terapeuta faz brincadeiras com ela, a faz escrever. Ela não estudou muito, fez até a terceira série, então o pouco que ela sabia, a gente tem que ficar incentivando para não esquecer", afirma filha Ana Lúcia.
Com Iracema, por estar em um estágio mais avançado da doença, as formas de estímulo são distintas, mas de acordo com a neta, todos os dias a família tenta fazê-la a lembrar de palavras importantes, como banheiro e água. "Tentamos treinar as coisas básicas, como o nome dela, rezar o Pai-Nosso. Todo dia a gente fica provocando para lembrar de hábitos", diz Karoline.
Prevenção
Nesse cenário, Phelipe destaca ações de conscientização necessárias para alertar a população e a prevenção de possíveis demências. Dentre os fatores de prevenção para doenças cognitivas, o presidente elenca a prática de atividades físicas; o controle e equilíbrio da alimentação; manter atividades sociais e o cérebro ativo. "Aprender uma atividade manual, desenvolver uma atividade cognitiva, são hábitos que geralmente conseguem reverter uma curva de possível declínio cognitivo", finaliza.
Fonte: Diário do Nordeste
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