60 mil barragens trazem impacto para açudes estratégicos do
Ceará. Número de espelhos d’água é estimado pela Funceme e deve ser divulgado
nos próximos dias. A maioria desses reservatórios é de pequeno porte e,
construídos de forma equivocada, impedem aporte de grandes açudes
Interrupção de um fluxo
O longo período de estiagem que se abateu sobre a maior parte
do território cearense entre 2012 e 2018, fez com que produtores rurais
buscassem fontes alternativas de abastecimento de água para irrigação e para
garantir a sobrevivência de animais. As alternativas encontradas foram
perfuração de poços, instalação de cisternas e construção de pequenos açudes,
também chamados de barragens.
Esta última solução, no entanto, tornou-se um problema ao
longo dos anos. Com a instalação destes pequenos reservatórios – construídos
com recursos próprios ou através de financiamento de bancos oficiais –, grotas,
córregos e riachos que antes tinham seu curso voltado para importantes açudes
do Estado, foram barrados, impedindo ou minimizando o aporte hídrico aos médios
e grandes reservatórios.
Salto
Nos últimos anos, o número de barragens construídas sem
qualquer acompanhamento técnico mais que dobrou. Em 2016, a Fundação Cearense
de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) divulgou um mapeamento de
espelhos d’água - açudes e lagoas com área mínima de 0,3 hectare – nas 12
bacias hidrográficas do Ceará. O estudo, com nível de detalhamento inédito no
Estado e com localização georreferenciada, apontou 28.195 barragens.
Nove anos antes, época do primeiro levantamento do órgão,
eram 5.100 espelhos d’água acima de cinco hectares no Ceará. A maior
concentração ocorria no entorno do Açude Castanhão e já despertava a atenção
dos técnicos para impor maior rigor na concessão de outorga para novos empreendimentos.
O mapeamento seguiu anualmente e, nos próximos dias, a
Funceme deve atualizar estes números. No entanto, de acordo com o presidente do
órgão, Eduardo Sávio, atualmente existem cerca de 60 mil espelhos d’água. A
informação foi divulgada no início da semana, pelo gestor, no perfil oficial da
Funceme, em uma rede social.
Construção
O secretário Executivo da Secretaria de Recursos Hídricos
(SRH), Aderilo Alcântara, classifica a questão como “sensível e complexa”.
Segundo ele, “o problema não se limita aos microbarramentos, feitos pelos
agricultores, que asseguram água por cerca de oito meses para viabilizar a
produção agropecuária”. Alcântara destacou que muitos desses açudes são
construídos com verbas “que prefeitos conseguem em Brasília” e, portanto, o
assunto merece ser debatido para “que os prejuízos sejam reduzidos de forma que
os agricultores rurais também não fiquem desassistidos”.
Ele reconhece que “quando se constroem dezenas de pequenos e
médios reservatórios, há impacto para os grandes açudes, estratégicos no
Ceará”. Desta forma, a SRH tem resistido em dar parecer favorável para a
edificação de médios açudes nas bacias do Alto Jaguaribe e do Banabuiú, regiões
que concentram, hoje, a maior quantidade de pequenas barragens.
Porém, até pouco tempo atrás, o Banco do Nordeste, principal
instituição financiadora de recursos para custeio e investimento no setor
agropecuário, não exigia a outorga de água para a concessão do financiamento
rural, cujo dinheiro era utilizado para construção das barragens. “Somente de
uns três anos para cá, passou a exigir a outorga, que é dada pela Cogerh, após
análise técnica”, explicou O gerente do escritório regional da Cogerh, em
Iguatu, Anatarino Torres.
A Agência Nacional de Águas (ANA) acrescentou, ainda, que
para a construção de qualquer barragem de águas no domínio da União –
interestaduais e transfronteiriças – se faz necessário solicitar uma outorga de
direito de uso de recursos hídricos à ANA.
Impactos
São vários os exemplos do impacto da construção de milhares
de pequenos açudes, conforme alerta Torres. O Trussu, responsável pelo
abastecimento das cidades de Iguatu e Acopiara, que juntas somam mais de 155
mil habitantes, atingiu seu pior volume da história no início deste ano, com
apenas 1,3%.
Com as intensas chuvas que banharam a região, o açude se
recuperou e atingiu a marca dos 23,47%. Porém, a recarga poderia ser melhor,
conforme aponta Anatarino. Conforme levantamento realizado pelo gerente
regional da Cogerh, 15 barragens foram construídas no leito do Rio Trussu.
Aderilo Alcântara destaca, também, o Açude Banabuiú, terceiro
maior do Estado, que está com 12,1% de sua capacidade. Ele explica que, diante
desses barramentos, o reservatório só conquista aporte de houver sangria dos
açudes que foram construídos no curso natural da água. “Essa bacia é um retrato
do impacto que traz outros barramentos”, frisou Alcântara
O Orós, segundo maior do Ceará, é outro que vem sofrendo com
o baixo volume mesmo diante das boas chuvas registradas em 2019 e neste ano. “A
recarga deste ano do Orós veio do Rio Cariús e de seus afluentes, no Cariri,
porque do próprio Jaguaribe, o Orós recebe pouca quantidade de água”, explicou
Torres, referindo-se aos 23 médios reservatórios e centenas de pequenos
barramentos” que impedem o curso da água.
Tudo isso impede a chegada da água ao Orós, pois é preciso
que todos sangrem primeiro”, observa Torres.
Alternativas
Apesar de reconhecerem os impactos, Alcântara e Torres,
pontuam a necessidade de existir soluções para que esses pequenos produtores
sobrevivam nos períodos de estiagem. O secretário titular da SRH, Francisco
Teixeira, cita a implantação do projeto Malha D’Água, iniciativa do Governo do
Estado, orçado em R$ 5,3 bilhões, com alternativa para abastecimento destes
agricultores no Sertão cearense. O projeto prevê a instalação de 4.300
quilômetros de adutoras em 20 anos.
O presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará
(Aprece), Nilson Diniz, corrobora com a análise de Teixeira, mas alerta que as
comunidades “não podem esperar décadas” e diz que há “uma demanda urgente
dessas localidades rurais”.
O Açude Trussu, responsável pelo abastecimento de Iguatu e
Acopiara, é um dos que sofrem os impactos das pequenas barragens. Hoje são
cerca de 60 mil barramentos no Estado. Em 2016, este número era menos da
metade, chegando a 28.195
Fonte: Diário do Nordeste
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