Apesar do plano de reabertura
econômica cearense não prever em quanto tempo as atividades voltarão à
capacidade produtiva de antes da pandemia do novo coronavírus, especialistas
consultados pelo Sistema Verdes Mares apontam que ao menos dois anos serão
necessários para que a atividade retome o patamar de antes da crise no Estado e
no País.
O projeto, ainda não apresentado pelo
Governo Estadual, dividiu a reabertura em quatro fases, incluindo 12 setores
primordiais para o reinício. O governador Camilo Santana informou ontem (23) a
expectativa de que o plano comece a ser implementado no Estado em 1º de junho,
se até o fim do mês se confirmar a tendência de estabilização dos casos de
Covid-19.
De acordo com o diretor da Faculdade
de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do
Ceará (Feaac-UFC), Paulo Matos, esse prazo de dois anos para a retomada da
economia no patamar de antes do coronavírus deve ocorrer "em condições
normais", caso nenhum outro evento venha a atrapalhar a economia.
"Até o fim de 2022, acreditando em anos normais, a gente conseguiria zerar
a pancada de 2020", pontua.
Ele lembra que, para este ano, o
Banco Central prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cairá mais de
5%. "E a economia cearense vai cair mais que a do Brasil este ano
fatalmente, porque a economia do Ceará possui uma composição diferente, com um
peso muito importante do comércio, do setor de serviços e do turismo", diz
Matos, reforçando que esses três setores foram fortemente afetados.
"O turismo deve sofrer um baque
permanente e vai precisar se reinventar. O turismo de negócios é um setor que
praticamente morreu", avalia com preocupação. Para o economista, cabe ao
Executivo estadual reforçar o trabalho de outras estratégias para uma injeção
no perfil econômico do Ceará, além de garantir dependência menor de recursos da
União.
"Nós precisamos atrair recursos
da iniciativa privada de fora do Brasil. Temos que mostrar que o Ceará vai ser
um dos estados mais juridicamente seguros para investir e prometer bons
retornos. Quando a situação normalizar, quem prometer os melhores retornos e os
riscos mais baixos vai atrair esses negócios. O que o Ceará precisa trabalhar
é: mostrar que a gente prima por austeridade fiscal, que o Ceará é
promissor".
De acordo com Jorge Lira, pró-reitor
de Pesquisa e Pós-graduação da UFC, o plano de retomada elaborado pelo Governo
do Estado trabalha com diversas possibilidades. "Nós, pesquisadores da
UFC, e pessoas dos setores produtivos trabalhamos com cenários - mais
prováveis, menos prováveis, mais leves e mais drásticos. Foram feitas projeções
baseadas em evidências sanitárias e econômicas".
Lira afirma também que foi dada
devida atenção aos problemas estruturais, como o desemprego, por exemplo, e a
questões relativas à saúde e à educação. "A economia do Nordeste depende
de transferência de recursos públicos. O que precisa retomar primeiro, em
termos de estratégia? É mais fácil a gente pensar em não perdermos empregos e
em manter o abastecimento. O retorno não é recuperar a capacidade produtiva,
mas assegurar o mínimo de funcionamento das atividades", acrescenta.
Segundo Lira, a retomada da economia
não depende só de um plano de reabertura, mas de vários fatores, como câmbio e
desemprego. "Existe uma crise, e o plano não permite retomar como estava.
Há questões aliadas à pandemia que vinham indicando crises sistemáticas no
Brasil. A União já estava com baixa capacidade de investimento, por
exemplo".
Setores
Segundo Augusto Albuquerque,
pró-reitor de Relações Internacionais e Desenvolvimento Institucional da UFC, a
construção civil foi apontada como um dos setores prioritários pela retomada
devido ao grande impacto que tem na economia e ao menor risco de contágio pelo
coronavírus.
"Eles já têm protocolos
sanitários prontos. Assumiram não utilizar o transporte público. Nos chamou
atenção porque, nessa época de elaboração do relatório, recebemos documentos
desse setor. Eles já haviam feito benfeitorias nos canteiros de obras",
explica.
De acordo com o presidente do
Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Ceará (Sinduscon),
Patriolino Dias de Sousa, serão necessários até três dias para os canteiros se
adaptarem para cumprir as novas normas sanitárias.
"Usaremos transporte particular
ou vamos contratar ônibus ou vans para não haver contato entre as pessoas no
transporte público. Todos vão usar máscara. A gente vai escalonar o horário de
almoço, entrada e saída de colaboradores. Vamos usar termômetros nas entradas
das obras, que terão ainda lavatórios e estações de álcool em gel, além de uma
cartilha de orientação para os funcionários. E vamos fornecer kits sanitários
para eles levaram para casa", explica.
Ainda não há um balanço do prejuízo
das empresas da construção no Estado. Patriolino ressalta, no entanto, que
muitas são construtoras do Minha Casa Minha Vida Faixa 1, por exemplo.
"Algumas empresas trabalham nesse segmento. Outros trabalham para
incorporação, que é o mercado quem vai dizer quando vamos retomar. Mas é fato
que, infelizmente, já tivemos várias demissões. O mais importante é saber se os
empregos serão mantidos a partir dessa reabertura", completa.
Energia
Na expectativa para o retorno das
atividades, o Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor
Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia) também preparou um plano com medidas
preventivas voltadas aos trabalhadores do setor. Segundo Ribamar Carneiro, diretor
executivo do Sindienergia, as medidas abrangem tanto colaboradores que atuam em
atividades de campo como nos escritórios. Em um primeiro momento, o setor
deverá voltar com 40% da força de trabalho.
Entre as ações, Carneiro destaca o
distanciamento entre as pessoas, medidas de higiene pessoal, monitoramento de
toda a força de trabalho, sinalização dos ambientes de trabalho e ações de
comunicação com todos os trabalhadores, para capacitar e informar dos riscos
associados à pandemia.
"Neste período de covid-19, o
setor de energia distribuída (gerada pelo próprio consumidor em sua
propriedade) tem sido o maior prejudicado, com equipes paradas, provocando uma
instabilidade nas empresas", diz Carneiro. Das cerca de 60 empresas
associadas, 70% são do segmento de energia distribuída, responsável por cerca
de 2 mil empregos diretos no Estado.
A análise é endossada por Jurandir
Picanço, consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará
(Fiec) e presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis. "O segmento
de energia como um todo foi considerado essencial. A geração distribuída ficou
mais restritiva porque o próprio setor está paralisado, e as casas das pessoas
estão fechadas por causa do isolamento", destaca.
Couros
Na expectativa de voltar ainda na
primeira fase, o setor de couros diz estar preparado para retomar as
atividades. Segundo a presidente do Sindicato da Indústria de Curtimento de
Couros e Peles no Estado do Ceará (Sindicouros), Roseane Medeiros, o segmento
está totalmente parado.
"Embora a retomada vá ser lenta,
até porque o mercado mundial está muito parado, isso já vai ser um recomeço.
Obviamente, vão retornar os setores com menos riscos de contágio, e o
industrial é de baixo risco. As empresas, desde o começo, elaboraram protocolos
com muitos critérios e todos se preocuparam muito com a saúde dos seus
colaboradores", aponta.
De acordo com Medeiros, as empresas
estão preparadas para retornar, principalmente, as exportadoras. "A
demanda mundial está muito afetada. A Itália é um grande player e já está
retornando às atividade e entrando em uma certa estabilidade. No momento, não
dá para sinalizar quando a gente volta ao normal em relação à demanda",
pontua.
Tecnologia
Na contramão da maioria, o setor de
tecnologia da informação e comunicação tem expandido durante a pandemia.
Necessário para garantir as condições que permitem o isolamento social, como o
teletrabalho, o segmento não parou de funcionar e tem registrado crescimento,
inclusive com contratação de temporários.
"Aumentou a demanda por redes de
internet, tanto por instalação quanto por manutenção. Temos conseguido atender
de forma eficiente, inclusive temos recebido poucas reclamações dos
consumidores", ressalta Pedro Alfredo Neto, presidente do Sindicato das
Indústrias e Empresas de Instalação, Operação e Manutenção de Redes,
Equipamentos e Sistemas de Telecomunicações do Ceará (Sindimest).
Segundo ele, já são cerca de 4,5 mil
empregados no setor em todo o Estado e foram contratados mais 5% como
temporários. "Esperamos que os que se destacam sejam aproveitados e
efetivados quando passar esse momento".
Para Neto, a pandemia criou uma nova
oportunidade de mercado e muitos negócios não deverão voltar ao modelo anterior
como redução de gastos. "Mesmo com o retorno das equipes ao trabalho
presencial, o que já implantamos não vai ser desfeito. Com a reabertura, a
tendência é que fiquemos estáveis ou continuemos em expansão", projeta.
Fonte: Diário do Nordeste
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