segunda-feira, 24 de agosto de 2020

14 pessoas trans foram mortas em 2020 no Ceará



Pelo menos 14 travestis ou transexuais foram mortas no Ceará durante o ano de 2020; seis delas apenas no intervalo de um mês, entre os dias 11 de julho e 10 de agosto. O número já é maior do que o observado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) em todo o ano passado no Estado. De janeiro a dezembro de 2019, segundo a entidade, foram 11 homicídios com vítimas transgênero.

O caso mais recente foi registrado na última quarta-feira (19). A jovem Daniele Rodrigues, de 21 anos, foi encontrada morta com lesões decorrentes de arma de fogo em um matagal no município de Crateús, no interior do Ceará.

No início de agosto, foram três assassinatos registrados em Fortaleza. No dia 10, Letícia Costa, de 29 anos, foi morta nos cruzamentos das ruas Jaime Benévolo e Clarindo de Queiroz, no Centro da Capital. Ela esteve fora da cidade por quatro meses e havia voltado para trabalhar como profissional do sexo nas ruas da região central.

No dia 8, uma adolescente identificada pelo Centro de Referência LGBT Janaína Dutra como Ludmila Silva, foi morta na Rua Dallas, no bairro Granja Lisboa. Testemunhas informaram à Polícia que ela teria entrado em um matagal com dois homens. Minutos depois, elas teriam ouvido disparos de arma de fogo e visto eles fugindo.

No dia 3, outra travesti foi morta, desta vez no bairro Bonsucesso. A identidade dela ainda não foi revelada, mas o crime aconteceu a 700 metros de uma unidade do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA).

Julgamentos
De acordo com a ativista da Associação de Travestis do Ceará (Atrac) Yara Canta, “são números que assustam, principalmente, por ter sido em pouco tempo. Em uma semana, três casos. Foi um bombardeio de informação. A gente se sente com medo pela vida de todas nós”.

Na visão da ativista, o poder público não dá devolutivas à população trans porque “além de existir essa transfobia estrutural, não há políticas públicas e nem vontade e preocupação em mudar, nem sequer investigar os casos direito”. Yara lembra ainda que, dos casos aos quais ela teve acesso, apenas o da travesti Dandara dos Santos foi julgado desde 2017.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) informou que as unidades judiciárias “utilizam as Tabelas Processuais Unificadas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, por não existir filtro que indique especificamente esse assunto, não é possível a extração dos dados solicitados”.

Segundo a delegada Rena Gomes, diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis da Polícia Civil do Ceará, os casos de vítimas LGBTQI+ estão sendo investigados, “inclusive já foram realizadas várias diligências e estão sendo feitas todas as investigações realmente com essa lente diferenciada com relação a esse público”, informa.

Há ações dentro da SSPDS e da Polícia Civil voltadas para otimização do atendimento do público LGBTQI+, conforme explica a delegada. Além disso, há uma comissão, formada por diversos profissionais, que é responsável por otimização e melhorias no sistema de informações policiais “para que nós possamos ter melhores dados e que a gente possa, com eles, impactar na elaboração de políticas públicas”, diz Rena Gomes.

Dados e atualização
Para a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), Mariana Lobo, há subnotificação nos dados e problemas no atendimento a essa população.

Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter equiparado o crime de LGBTQIfobia ao de racismo, de acordo com Mariana Lobo, o Sistema de Informações Policiais (SIP3W), utilizado pela Polícia Civil, ainda não tem tipificado o crime de transfobia. Na visão da defensora, “ainda não existe uma política muito consolidada nos órgãos de segurança na perspectiva de fazer um recorte desses casos, que tem como questão de fundo o ódio e a discriminação”, critica, ao considerar que esse tipo de crime deveria ter prioridade nas investigações.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) disse que “desenvolve diversas iniciativas em atenção às políticas públicas voltadas para o público LGBTQI+ do Ceará”, como a inclusão do campo para o nome social, orientação sexual e identidade de gênero em Boletim de Ocorrências (BO); atendimento nas Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), em casos de violência doméstica em que a vítima seja mulher transexual ou travesti; inclusão de representantes do movimento LGBTQI+ nos Conselhos Comunitários de Defesa Social (CCDS), vinculados à SSPDS; e capacitação de agentes de segurança pública na Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp). Segundo a Pasta, os campos "orientação sexual" e "identidade de gênero" também foram acrescentados à plataforma SIP3W.

Responsabilidade
Para a titular da Coordenadoria de Políticas Públicas para Diversidade Sexual de Fortaleza, Dediane Souza, existe um processo de intolerância contra esses corpos trans, uma vez que “são corpos que não têm como se camuflar e são muito visíveis dentro das relações”. Conforme a gestora, “há um atravessamento da naturalização da violência contra as pessoas travestis e transexuais”.

A frente do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, que oferta serviços à população quando se trata de violação de direitos e violência, Dediane afirma que o contexto em que essas pessoas são vítimas são em lugares de socialização, onde vivem e onde moram. “É toda uma rede que a gente precisa mobilizar para que a gente mostre para a sociedade nosso papel. O intuito é de que esses casos não possam ser esquecidos, porque eles precisam ir a julgamento, essas pessoas precisam ser punidas de acordo com a lei para que não haja mais esse tipo de assassinato”.


Por Cadu Freitas, G1CE

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