O sofrimento psíquico levou 306 cearenses a cometerem suicídio, entre janeiro e julho de 2020, segundo dados da plataforma Integra SUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). Especialistas apontam que manter redes de apoio profissional e pessoal é fundamental para prevenir ocorrências.
Neste ano, o número de ocorrências diminuiu, se comparado ao mesmo período de 2019, que somou 348 casos.
Outra base de dados, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), também atualizado pela secretaria do Estado, mostra que no primeiro semestre, os meses com mais registros foram março, com 44 casos; abril, com 49; e maio, com 50 suicídios.
Canais de ajuda
- Ceará tem 112 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Acesse a lista de endereços;
- Centro de Valorização da Vida pelo telefone 188 ou através do site;
- Corpo de Bombeiros Militar do Ceará: telefone 193;
- Hospital de Saúde Mental de Messejana - (85) 3101.4348 ou pelo site;
- Programa de Apoio à Vida – PRAVIDA/UFC - (85) 3366.8149 / 98400.5672
- Instituto Bia Dote - (85) 3264.2992 / 99842.0403 ou pelo site;
- Instituto DimiCuida - (85) 3255.8864 / 98131.1223 (WhatsApp) ou site;
Perfis
Cerca de nove a cada dez suicídios consumados no Ceará, neste ano, as vítimas eram do gênero masculino. Dos 306 registros entre janeiro e julho, 257 foram de homens .
Essa predominância pode ser atribuída à construção social do gênero masculino, como explica a psicóloga e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vládia Jucá. “Os homens são construídos para colocarem essa agressividade pra fora, e as mulheres, para internalizarem. A automutilação acontece em ambos, mas eles chegam a consumar mais”, pontua.
Os jovens entre 20 e 29 anos e os idosos são as faixas etárias mais preocupantes: concentraram, em sete meses de 2020, 63 casos cada. Para Adriano Sousa, coordenador de Políticas de Saúde Mental da Sesa, o ritmo e as expectativas da sociedade incidem diretamente sobre o problema.
“Jovem tem uma necessidade de sempre ter o novo, ser o melhor, viver num mundo de felicidades. Mas a busca pela felicidade intensa não existe, o mundo tem elevações cíclicas”, pontua.
Entre a terceira idade, a vítima mais velha tinha 94 anos. Deborah Brito, psicóloga especialista em prevenção do suicídio, aponta que o isolamento, no sentido de abandono afetivo, é o maior fator. “O idoso não quer dar trabalho, então se sente isolado. Não vemos idosos na terapia, há um certo estigma, um preconceito. É difícil, e isso também está relacionado ao empenho da família em promover isso, além da própria cultura de pessoas mais velhas não considerarem a saúde mental importante”, avalia.
Rede de apoio
A psiquiatra e professora de Medicina Clínica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luísa Weber Bisol, aponta que a maioria dos suicídios ocorre com pessoas que têm algum transtorno mental, como depressão, bipolaridade, uso de substâncias psicoativas, esquizofrenia e transtorno de personalidade borderline.
“Em cada dez suicídios, nove poderiam ter sido prevenidos, se fossem adequadamente tratados. É preciso treinar os profissionais de saúde não-psiquiatras para identificá-los e dar o encaminhamento correto”.
Dra. Luísa alerta ainda que uma “rede de apoio familiar e social” é importante, mas que há um déficit grande sobre a questão na atenção à saúde. “80% das pessoas que cometeram suicídio estiveram com algum profissional de saúde no mês anterior, e poderiam ter tido o risco identificado. Se conseguirmos, no nosso check-up de rotina, além de medir pressão, frequência cardíaca e glicose, inserir perguntas para identificar a desesperança – algo muito ligado ao suicídio –, talvez possamos preveni-lo”, sugere.
Múltiplos motivos
O isolamento social imposto pela pandemia também pode ter potencializado o sofrimento psíquico. “Percebemos um incremento muito significativo do consumo de álcool, o aumento da solidão, principalmente entre grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas com deficiência. A questão do luto também incidiu de uma forma muito crítica, por causa das mortes por Covid”, aponta Hugo Porto, promotor de Justiça e coordenador do Programa Vidas Preservadas, parceria do Ministério Público do Ceará (MPCE) com outras instituições para prevenção do suicídio.
As unidades básicas, são portas de entrada para a assistência em saúde mental, como reforça Rui de Gouveia, coordenador da Atenção Primária e Psicossocial de Fortaleza. “O suicídio, para acontecer, requer que a pessoa venha passando por um sofrimento psíquico prolongado. A detecção desse sofrimento precisa acontecer. O primeiro local que deve ser procurado, em todo processo de cuidado, são as unidades básicas. Se não for resolvido lá, temos os CAPS”, informa.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um dos serviços voluntários que exercem a escuta atenta a quem precisa. De janeiro a abril deste ano, o canal recebeu 35.658 ligações de moradores de Fortaleza e da Região Metropolitana, e outras 18.432 de residentes de Juazeiro do Norte e de Sobral.
A psicóloga Vládia Jucá reconhece a importância de iniciativas como o CVV, mas ressalta que é preciso cuidar de quem atende. “Para a pessoa lidar com uma situação tão mobilizadora, escutar o outro com a angústia a flor da pele, é preciso se cuidar. É fundamental que ela também tenha espaços para compartilhar tanto o próprio sofrimento como conversar sobre os atendimentos que faz. Cuidador do cuidador é essencial”, frisa.
Por Theyse Viana, G1CE
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