Entre os óbitos provocados por causas cardiovasculares sem esclarecimento no Ceará, mais da metade ocorreu em casa, entre janeiro e outubro deste ano. Das 1.837 mortes por “causas inespecíficas”, 1.046 ocorreram no domicílio da vítima, o que representa 57% do total. Essa foi a mesma porcentagem de aumento entre as causas inespecíficas, que, em igual período de 2019, registraram 1.169 ocorrências no estado. À época, as mortes em casa representavam 34% do total.
Os dados são da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC), disponibilizados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) em parceria com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). São levadas em consideração as informações fornecidas por cartórios.
O levantamento aponta que o número geral de mortes por infarto reduziu 5%, caindo de 2.111 casos para 2.003. Porém, quando se observam as ocorrências em domicílio, houve um crescimento de 26,7%, passando de 766 para 971, também entre janeiro e outubro.
Pelas causas cardiovasculares inespecíficas, 397 morreram em casa, em 2019, mas 2020 registrou aumento de 163%: foram 1.046 casos.
Ricardo Pereira Silva, professor de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e cardiologista do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), pondera que esse cenário já era previsto desde março porque houve “uma orientação inadequada das autoridades de saúde” para que os pacientes só procurassem serviços especializados para casos suspeitos de Covid-19.
“Esqueceram de todas as doenças crônicas que não iam parar por ter aparecido a Covid. A mortalidade aumentou bastante. Vários pacientes com sintomas de infarto do miocárdio e AVC deixaram de procurar o pronto-socorro”, observa. Pereira explica que o coração pode ser sede de várias doenças, como das válvulas, do músculo cardíaco e cardiopatias congênitas, embora a maior causa de mortalidade sejam as doenças coronarianas: angina e infarto.
Segundo Ricardo Pereira, embora as pessoas com doenças cardiovasculares estejam no grupo de risco para complicações da Covid-19, não podem deixar de se descuidar. “Portadores de doenças cardíacas, pulmonares e crônicas, de forma geral, devem se proteger mais, mas não devem se afastar de seus médicos”, alerta.
“O que a gente observou principalmente durante o pico da pandemia foi a redução dos pacientes que procuram atendimento cardiológico. Tanto que houve uma redução de quase 70% nas intervenções coronárias percutâneas (tratamento da doença da artéria coronária) nesse período. Muitos desses pacientes, talvez por receio de pegar a doença, por alguma outra particularidade, tenham optado por permanecer em casa”, confirma Gentil Barreira de Aguiar Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia Secção Ceará (SBC-CE).
“A gente acredita que é importante o paciente manter um acompanhamento da sua doença de base. Obviamente, quando for a consulta ou for o caso de procurar uma emergência, ele tem de se cercar de todos os cuidados preventivos contra a Covid”, reitera.
Alerta
De acordo com o último boletim epidemiológico sobre Covid-19 publicado pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), 6.623 pessoas com doenças cardiovasculares foram hospitalizadas no estado com quadro de síndrome respiratória aguda grave por coronavírus, até o dia 19 de outubro. Desse total, 54% eram homens e 46% eram mulheres.
A dor na região do peito ou em cima do esterno – o osso da região central do tórax – é o principal sinal de alerta para buscar atendimento médico. Ela pode se irradiar para o braço esquerdo, para a mandíbula, pescoço, abdômen ou costas, e muitas vezes é desencadeada por esforço, estresse ou emoção. Falta de ar também deve ser acompanhada com atenção.
Ricardo Pereira enumera que fatores de risco para doenças do coração incluem ser do sexo masculino, a obesidade, o tabagismo, o colesterol alto, o diabetes, histórico familiar e a idade. Segundo o levantamento da Arpen, 80% das mortes por infartos e 74,5% daquelas com causas inespecíficas no Ceará, em 2020, ocorreram em idosos com 60 anos ou mais.
Cardiopatias também podem acometer pacientes mais jovens. Neste ano, 67 crianças com menos de nove anos morreram por problemas cardíacos. Apenas uma delas foi por infarto, uma condição rara para a idade, segundo o médico. “Quando acontece uma morte nessa idade, é de forma congênita, porque ela já nasce com alguma má formação”, explica.
Atendimento
Em nota, o Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), da rede estadual do Ceará, informou que o serviço de emergência foi mantido e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. “Há fluxos diferenciados para o atendimento dos pacientes com suspeitas de Covid-19 e dos pacientes com queixas cardíacas e pulmonares, perfil da unidade. As cirurgias de emergência também foram mantidas”, garante.
A unidade de referência reforçou que os atendimentos ambulatoriais, as cirurgias eletivas e os transplantes, suspensos durante a pandemia, “já foram retomados”. Os agendamentos são feitos na própria unidade ou através da Central de Regulação do estado.
O médico Ricardo Pereira destaca a necessidade de se manter hábitos de vida saudáveis, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia. “É de fundamental importância para a profilaxia da doença coronariana a aquisição de bons hábitos que incluem o peso ideal, uma alimentação adequada baseada em frutas e verduras, exercício físico sistemático e práticas para diminuir o estresse”, recomenda.
Por Nícolas Paulino e Bárbara Câmara, G1 CE
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