O Brasil teve uma alta de 4% nos assassinatos nos primeiros nove meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. É o que mostra o índice nacional de homicídios criado pelo G1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.
No período, foram registradas 32.298 mortes violentas, contra 31.022 no mesmo período do ano passado. Ou seja, 1.276 mortes a mais.
O aumento de mortes acontece mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, que fez com que estados adotassem diversas medidas de isolamento social em grande parte do ano. Ou seja, houve alta na violência mesmo com menos pessoas nas ruas.
Além disso, a alta de mortes neste ano interrompe uma tendência de queda no país nos últimos anos. Tanto 2018 quanto 2019 tiveram recorde de baixas nos assassinatos. No ano passado, por exemplo, a queda chegou a 19%, e o número total de vítimas foi o menor desde 2007, ano em que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a coletar os dados.
O Nordeste, que havia puxado a queda dos últimos anos, foi o responsável por puxar a alta nos primeiros nove meses de 2020. É a única região com aumento nos assassinatos. Os assassinatos na região cresceram 19% nos nove meses deste ano. Nas outras regiões (Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste), o número de crimes violentos foi menor na comparação com o ano passado.
Os dados apontam que:
- houve 1.276 mortes a mais nos primeiros nove meses de 2020
- 16 estados apresentaram alta de assassinatos no período
- 4 estados tiveram altas superiores a 15%: Espírito Santo, Paraíba, Maranhão e Ceará
- o Ceará, aliás, teve aumento de 84% nas mortes
- a região Nordeste foi a responsável pela alta no país: 19% de aumento
- nas outras regiões, o número de mortes caiu
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Alta de mortes no país
O ano começou com uma queda de 4% nas mortes no país em janeiro. Entre fevereiro e abril, porém, a violência aumentou.
Em fevereiro, os assassinatos aumentaram mais de 20%, puxados principalmente pelo motim de parte da Polícia Militar no estado do Ceará. Durante os 13 dias da greve policial, houve 312 homicídios, uma média de 26 por dia. Antes, a média era de 8 por dia.
Em março e em abril, a pandemia do coronavírus ganhou força no Brasil, e vários estados adotaram medidas de isolamento social. Mesmo com a circulação de pessoas mais restrita, porém, os dois meses registraram alta nas mortes: 11% em março e 8% em abril.
Em maio, em comparação com o mesmo mês de 2019, o número de assassinatos ficou estável (-0,2%). Já em junho e em julho, houve novamente alta de 2%. Em agosto, o aumento foi de 1%, e em setembro, as mortes voltaram a cair no país (-4%).
Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o fato de mais da metade das UFs (15) em todas as regiões do país apresentarem crescimento dos homicídios nos nove primeiros meses do ano mostra que a violência não está restrita a um determinado território, o que causa preocupação. "O caso mais grave e que sozinho já resultaria no crescimento dos homicídios no país é o do Ceará, que agravou-se em função da greve das polícias no início do ano, mas não explica integralmente o fenômeno."
"Estados que vinham de muitos anos de redução dos homicídios, com políticas bem estruturadas para tal, indicam crescimento, como Espírito Santo, Paraíba e São Paulo, o que pode decorrer de descontinuidade de políticas anteriormente adotadas e mesmo da adoção de outras estratégias que não se mostraram eficientes", afirma.
Samira ressalta que 2019 foi o primeiro ano de gestão dos governadores eleitos em 2018, que herdaram um quadro relativamente confortável de redução dos homicídios que não foram capazes de sustentar. "O cenário exige esforços ainda maiores por parte dos governos estaduais no sentido de focalizar sua atuação nos territórios com maiores níveis de violência, fortalecendo investigações para prisões de homicidas contumazes, investindo na repressão qualificada por parte da PM e em políticas de prevenção."
"Igualmente importante é entender qual a proposta do Ministério da Justiça para a área. Existe um plano nacional de segurança pública que foi aprovado em 2018 e que nunca foi implementado. Ninguém sabe qual a estratégia do governo federal para reduzir homicídios e as poucas ações que são citadas dizem respeito a flexibilização de armas de fogo, o que deve na verdade impactar no aumento dos níveis de violência letal."
Bruno Paes Manso, do NEV-USP, concorda e afirma que os governos estaduais perderam o controle das instituições. "Ceará e Espírito Santo, dois estados que lideram o crescimento das taxas de homicídios no Brasil, possuem uma semelhança. Ambos testemunharam motins em suas polícias. A politização das polícias enfraqueceu o comando dos governadores, que perderam o controle das instituições", afirma.
"Essa perda de controle acaba abrindo espaço para o crescimento da violência policial e para a desestruturação das políticas de segurança, fenômeno mais visível no Ceará, onde tem faltado habilidade ao governo do estado para manter suas polícias na linha. A fragilização dessas instituições acaba abrindo espaço para o conflito entre os grupos armados, que disputam poder e lucro nos territórios", diz Paes Manso.
Como o levantamento é feito
A ferramenta criada pelo G1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.
Jornalistas do G1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O governo federal anunciou a criação de um sistema similar ainda na gestão do ex-ministro Sergio Moro, em março do ano passado. Os dados, no entanto, não estão atualizados como os da ferramenta do G1.
Os dados coletados mês a mês pelo G1 não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço de 2019 foi realizado dentro do Monitor da Violência, separadamente, e foi publicado em 16 de abril. O do primeiro semestre de 2020 foi publicado em 3 de setembro.
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