O homem que se identificou como Clécio Amorim não era quem dizia ser. Ele ligou para o número que estava no panfleto em que Antônio Carlos da Silva, 32 anos, dizia Procuro minha mãe e por três dias travou contatos e informações com Carlos e a suposta família adotiva.
A notícia chegou como aviso de morte, na noite de ontem, para Carlos e sua família adotiva. A jornada do motorista que fugiu aos cinco anos de casa, dormiu num ônibus e foi parar em Fortaleza, portanto, continua. Possa ser, então, que minha mãe esteja viva, disse.
Isso porque Clécio, que se identificou como seu irmão, disse que Geane, então mãe de ambos, teria falecido em 2017 vítima de câncer. A farsa ainda envolveu as histórias das supostas irmãs de Carlos, Fernanda e Aline, além de Diego, um irmão cujo nome Carlos sempre lembrou, e do tio Nino, um artesão que lhe fazia carrinhos de barro para lhe dar.
Clécio se apropriou de toda a história vivida e lembrada por Carlos como sendo sua e enganou toda a família. Ele fez até chamada de vídeo com a gente, mostrou fotos dos irmãos, falou da avó deles que ainda estaria viva e iríamos visitar. Dizia que não via a hora de nos conhecer. Estávamos todos contentes, explica Bernardo Rosemeyer, pai adotivo de Carlos e fundador da Associação Pequeno Nazareno, que acolhe crianças institucionalizadas por situação de extrema vulnerabilidade social.
Mais do que chamada de vídeo, um amigo de Carlos e funcionário da associação, também chamado Carlos, encontrou pessoalmente Clécio no município do Crato, na última terça-feira. Clécio insistia na farsa. Marcamos encontro no Cariri, fui com ele do Crato até Araripina (PE), e quando nos vimos ele mostrava como estava ansioso para encontrar o irmão. Até fotos dos irmãos ele mandou, mas ontem descobrimos por amigos desse rapaz que ele estava mentindo. A farsa só acabou quando eu perguntei porque você fez uma coisa dessas, cara, explica Carlos, o amigo.
A reportagem ligou várias vezes para o Clécio, mas as chamadas não foram atendidas. Após a descoberta da farsa, ele enviou áudios para um amigo de Antônio Carlos pedindo desculpas, dizendo não saber porque construiu toda a mentira.
Eu só tenho que pedir perdão. Me desculpa. Não era pra eu ter feito isso não. Não sei nem onde boto essa cara. Estou tentando falar com o Bernardo, mas não estou conseguindo, disse Clécio, em áudio. Bernardo, pai adotivo de Carlos, disse que não ter recebido mais ligações do Clécio.
Na noite de ontem, o motorista que procura a família compartilhou todas as mensagens de WhatsApp e áudios enviados por Clécio, que nos últimos dias se passou por seu irmão e forjou suas esperanças.
Cara, não vejo a hora de te ver pessoalmente, disse Clécio.
Pois é, imagina eu, que sempre tive um desejo de encontrar minha família. Sempre ficava imaginando se ela tava à minha procura ou mesmo até pensava em mim. Mas eu achava que era doido por ter essas lembranças na minha cabeça, disse Carlos.
O motorista de 32 anos nunca se esqueceu do seu nome próprio, do nome da mãe nem de alguns familiares, incluindo um irmão e um tio. Ele fugiu de casa numa noite em que o seu padrasto batia em sua mãe. Para escapar da agressão, entrou num ônibus, dormiu e amanheceu em outra cidade, até ser levado para Fortaleza. Viveu nas ruas, depois foi para abrigos.
O incômodo da saudade o fazia fixar os nomes para um dia poder fazer o reencontro. Em sonho, já voltei muitas vezes para casa. E as lembranças reavivando os fez rabiscar em papel lugares por onde o menino de cinco anos passou, como uma viagem com a avó para conhecer a estátua de Padre Cícero. A ligação do Clécio, na última terça-feira, confirmando todas as histórias e posicionando-se como seu irmão que nasceu depois do desaparecimento, comoveu primeiro Carlos, o pai adotivo e depois o País, pela dimensão que a história alcançou. Como não é verdade que Clécio seja quem mostrava ser, Carlos espera que, então, a mãe Geane ainda esteja viva, assim como avó e irmãos, em algum lugar do Cariri cearense, ou do Nordeste.
Morreu uma esperança, nasceram
muitas outras. Vou continuar a luta. Isso não vai acabar assim não. Dessa vez
eu vou até o fim.
Fonte: Diário do Nordeste.
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