Os registros de denúncias de violência doméstica familiar recebidos pelo Disque 180 aumentaram 92% em 2020, no Ceará. De acordo com levantamento do Instituto Igarapé, foram 533 ligações de março a junho de 2019, e 1.026 em igual período deste ano, primeiro quadrimestre da pandemia devido à Covid-19 e isolamento social no estado.
O estudo também indicou que nos dois primeiros meses de 2020, quando ainda não estava implementada a quarentena, seguidos pelo trimestre março, abril e maio, houve aumento de 16% nos registros. Em contrapartida, também durante e devido à quarentena, caiu a quantidade de medidas protetivas deferidas a favor das vítimas de violência doméstica.
Dados do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) apontam que no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Fortaleza foram deferidas 3.710 medidas protetivas de janeiro a novembro deste ano. Em todo 2019 foram 5.875, sendo 5.547 até novembro do ano passado. O comparativo revela queda de 33,1%.
Violência silenciada
Os números indicam uma realidade preocupante. Com a quarentena, mais mulheres estão por mais tempo próximas aos seus agressores e, na maioria dos casos, com ainda mais dificuldade de denunciá-los.
Os meses de abril e maio, período de lockdown em Fortaleza, foram os com menos medidas protetivas deferidas: 184 e 199 medidas, respectivamente.
De acordo com a titular do Juizado, Rosa Mendonça, a partir do primeiro decreto do Governo do Ceará sobre o isolamento, o Tribunal acreditou que o número de denúncias ia aumentar significativamente. Quando os registros começaram a cair, segundo a magistrada, o Judiciário se atentou que as vítimas estariam com dificuldade de acionar as autoridades.
"No Ceará houve uma redução drástica. Em abril teve uma queda de 72% com relação a abril de 2019 nas medidas. Então nós constatamos que a mulher não estava denunciando, sem condições de acionar o Sistema de Justiça por medo do agressor e por medo da própria doença. Muitas vezes sem ter um telefone por perto e sem ter como sair. Abrimos canais para que as mulheres vissem que nós estávamos funcionando, mesmo que remoto. É preciso dizer que a denúncia é importante, que a mulher não está só", destacou Rosa Mendonça.
A pesquisadora do Instituto Igarapé, Renata Giannini, pontua que durante o estudo, quando observados outros indicadores, foi vista a redução dos acionamentos das mulheres pedindo socorro à polícia. No entanto, as denúncias ao 180 dispararam “porque essas denúncias não exigiam das vítimas que elas saíssem de casa”.
"Não é como a pandemia afeta a segurança das mulheres. É como o isolamento afeta a segurança das mulheres. O 180 não leva, necessariamente, a uma ação. Se há menos denúncias para a polícia, menos casos são judicializados. É um ciclo vicioso. A violência contra mulheres, que já é um crime bastante subnotificado, se tornou ainda mais silencioso. Será se elas têm confiança nesses canais? Confiam no Estado? A maioria dessas mulheres tem a dependência econômica", afirmou Renata.
A juíza Rosa Mendonça afirma ainda que TJCE se prepara para implementar medidas protetivas online no início de 2021, com intuito de facilitar o acesso das vítimas ao direito.
"É importante dizer que a medida protetiva é um dos maiores ganhos da Lei Maria da Penha. É importante para evitar muitos feminicídios. O suspeito que descumpre a medida protetiva enseja a uma prisão e ele recebe um novo processo. Sabemos que a maior parte das mulheres mortas pelos companheiros nunca relataram as agressões às autoridades", acrescentou a titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Fortaleza.
Por G1 CE
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