A presença do vírus da imunodeficiência humana (HIV) está em ascensão no Ceará, inclusive entre mulheres grávidas. Casos de gestantes infectadas passaram de 171 para 278, se comparados 2010 e 2019 - um aumento de 62,5%. Nos dez anos, foram 2.305 cearenses diagnosticadas com HIV durante a gravidez. Para especialistas, números são resultado da ampliação das testagens.
No Ceará, de janeiro a junho deste ano, 174 mulheres soropositivas identificaram a presença do HIV durante a gestação, média de 29 diagnósticos mensais. Os dados são do Boletim Epidemiológico HIV/aids 2020, divulgado pelo Ministério da Saúde (MS), na última terça-feira (1º), em alusão ao Dezembro Vermelho, mês voltado à conscientização para o tratamento precoce da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids).
Número de exames e testes para diagnóstico de HIV cai mais de 16% em Fortaleza
A taxa de infecção a cada mil nascidos vivos no Ceará também teve salto entre 2010 e 2019, de 1,3 para 2,1 infecções, segundo o levantamento. O aumento registrado nos últimos anos, argumenta o MS, “pode ser explicado, em parte, pela ampliação do diagnóstico no pré-natal e pela melhoria da vigilância na prevenção da transmissão vertical”.
Melissa Medeiros, médica infectologista do Hospital São José (HSJ), referência no acompanhamento de pessoas que vivem com HIV no estado, reforça que “o aumento, há vários anos, não é da quantidade de infecções, e sim dos diagnósticos”.
“Hoje, o exame de identificação do HIV faz parte da sorologia do pré-natal. Às vezes, a mulher já vivia com o vírus, mas não sabia até ser testada na atenção primária”, pontua.
Grávidas soropositivas são encaminhadas ao HSJ para prosseguirem com o tratamento após testarem positivo para HIV na atenção primária, porta de entrada para realização de acompanhamento pré-natal. A infectologista alerta que realizar exames periodicamente e buscar tratamento é importante para todos, mas reforça que, no caso das gestantes, “não se pode perder tempo”.
“Quanto antes ela tomar a medicação, maior a chance de a carga viral dela se tornar indetectável até o parto. Ou seja, a probabilidade de transmissão para o bebê é bem reduzida”, explica.
Pelo menos 369 crianças com menos de cinco anos de idade já foram diagnosticadas com aids, entre 1980, quando os primeiros casos da síndrome foram detectados no Ceará, e 2019. Só nos últimos dez anos, foram 145 meninos e meninas infectados, conforme o boletim epidemiológico federal. O levantamento, que abrange 2020 até o mês de junho, não detectou nenhum caso neste ano.
A transmissão vertical, quando o vírus passa de mãe para filho, é uma das maiores preocupações dos profissionais de saúde. Em Fortaleza, a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac/UFC) e o Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC) adotam protocolos específicos para o parto de gestantes soropositivas. “Quando a mãe tem carga viral muito baixa, indetectável, pode fazer parto normal. Mas aquelas que não identificaram nem trataram de forma precoce fazem cesárea, para evitar o contato do bebê com o sangue”, informa Melissa. A amamentação, ela aponta, também é contra recomendada no Brasil.
Manter o acompanhamento da própria mãe após o parto é outro desafio do sistema de saúde. “Quando a mulher se torna mãe, lembra mais de cuidar do bebê do que dela mesma. Em função disso, não busca mais o tratamento. Mas é importante que as puérperas não abandonem a medicação. Precisamos reforçar mais essa adesão”, conclui a infectologista.
Em muitos casos é necessária uma busca ativa dos pacientes, como pontua Marcos Paiva, coordenador da Área Técnica de IST/aids da Secretaria da Saúde de Fortaleza (SMS). “Na maioria das vezes, quando a farmácia pública percebe que a pessoa deixou de pegar medicação duas vezes seguidas, entra em contato com ela para ver o que aconteceu. Para os agentes de saúde da família, por exemplo, isso é mais complicado, porque muitas pessoas não querem ser expostas nos postos de saúde delas, preferem procurar os serviços especializados”, observa.
Ano de pandemia
Serviços especializados como o HSJ, por exemplo, “sofreram” durante a pandemia de Covid-19, diante da necessidade de remanejar profissionais de saúde à linha de frente. “Aconteceu em todos os lugares. As consultas eletivas foram desmarcadas. E era desaconselhado que pessoas soropositivas viessem ao hospital. Mas não deixaram de receber medicação”, pontua Dra. Melissa.
A médica também analisa que é necessário reorganizar a rede de saúde no que tange ao atendimento de pessoas com HIV/aids, porque há uma sobrecarga das instituições. “Infelizmente, temos, sim, carência de atendimento. Muitas vezes os pacientes estão bem, vêm só receber o medicamento. Então precisamos que a atenção básica assuma esses casos e encaminhe ao hospital só os mais graves. O Ceará é o segundo estado com mais demora entre o diagnóstico e o início do tratamento, porque as pessoas não conseguem consulta. Só perdemos pro Amazonas”, lamenta.
É nos postos de saúde onde as mulheres grávidas, por exemplo, podem ser diagnosticadas com HIV, já que é lá onde são solicitados todos os exames de rotina para início do pré-natal. Nos últimos três anos, em Fortaleza, houve redução dos diagnósticos, mas, ainda assim, 369 gestantes acompanhadas testaram positivo: em 2017, foram 130; em 2018, 126; e em 2019, 113, segundo contabiliza Marcos Paiva.
O coordenador reforça ainda que prevenir a infecção vai além do uso de preservativos. “Temos trabalhamos na prevenção combinada, com testagens periódicas para a população, serviço que está disponível nos 116 postos de saúde. Ofertamos também a PrEP, Profilaxia Pré-Exposição, em que a pessoa que tenha relação sexual com alguém que vive com HIV pode utilizar a medicação para minimizar os riscos de contrair. O importante é buscar teste e tratamento”, finaliza.
A PrEP, aliás, é um recurso que torna possível que mulheres soronegativas com parceiros soropositivos possam engravidar deles sem risco de infectar a si nem ao futuro bebê, como destaca Melissa Medeiros.
Por Theyse Viana, G1 CE
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