Aos poucos, ter o nome e o gênero corretos nos documentos de identidade é um direito que cada vez mais pessoas transgênero estão conquistando no Ceará. Em 2021, de 1º de janeiro a 21 de outubro, 140 pessoas entraram com pedidos de retificação no registro civil. O número supera a demanda de todos os últimos cinco anos. Foram 67 solicitações em 2020, 122 em 2019, 75 em 2018 e 17 em 2017. Os números são da Defensoria Pública Geral do Estado (DPCE) e dizem respeito aos pedidos realizados com assistência do órgão.
''O direito a um nome é universal e reconhecido nas leis brasileiras, mas até 2018 todos os casos precisavam passar pela Justiça. Hoje, depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, os pedidos ficaram mais simples'', explica Mariana Lobo, defensora pública e supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC). Há três anos, todos os cartórios de registro de pessoas do Brasil são obrigados a realizar a alteração de nome e marcador de gênero nas certidões de nascimento a partir de uma autodeclaração.
Assim, qualquer pessoa interessada e maior de 18 anos consegue ir diretamente a um cartório de registro para requisitar essa modificação. Não é mais necessário apresentar laudos médicos ou comprovantes de cirurgias e esperar a decisão de um juiz. ''Mas existe uma lista de documentos pessoais e certidões necessárias. A Defensoria atua nesses casos entrando com pedido tanto para gratuidade quanto para já encaminhar em ordem essa lista'', aponta Mariana. Nos casos de crianças e adolescentes, ainda é preciso judicializar a ação.
No Ceará, um desses pedidos é o da estudante Lara Magalhães Torres. Hoje com 16 anos, a garota sentiu aos 12 não estar em conformidade com o próprio sexo biológico. Em junho deste ano, acompanhada de seus pais, ingressou com ação de retificação do registro civil, a primeira feita para uma garota adolescente pelo NDHAC.
Na última quarta-feira, 20, a Justiça reconheceu que Lara será Lara também no papel. Agora, a família aguarda o processo transitar em julgado e a expedição de um alvará judicial para dirigir-se a um cartório e solicitar a correção na certidão de nascimento. Será o primeiro passo para a garota alterar todos os demais documentos. ''O sentimento agora é de que a gente vai conseguir evitar muito sofrimento futuro'', afirma Mara Beatriz Magalhães, mãe de Lara.
''Não que isso vá isentar a nossa família de passar por outras situações, mas ter o nome alterado nos documentos vai evitar muita coisa. Ela não vai precisar se alistar para as Forças Armadas, por exemplo, que era algo que ela não queria e a gente temia muito'', cita aliviada. As idas ao médico, as matrículas em escola e os check-ins em viagens também deixarão de ser motivo de tensão. ''São coisas que para quem está de fora não têm importância, mas para mim doíam muito. Tem hora que a gente cansa de ficar dando explicação'', completa.
Um outro caso de retificação em adolescentes aconteceu em março deste ano, dentro do sistema socioeducativo. A solução chegou em dois meses com decisão proferida em maio. ''Percebemos, durante nossos atendimentos e em audiência, que não se tratava da necessidade de uma mera defesa processual, mas, mais do que isso, de restabelecer a dignidade, adequando sua situação física e mental ao seu tratamento formal'', afirma o defensor público Rubens Lima. Ele explica que era um caso de um adolescente intersexual (que nasceu com órgãos genitais masculino e feminino) que, embora tenha sido registrado com nome e sexo femininos, é um garoto. Para o defensor, alterar nome e gênero era reafirmar sua dignidade.
Atualmente, o NDHAC cuida de três casos de adolescentes que pediram a retificação de seus documentos, incluindo o de Lara. ''Esses pedidos são muito importantes, mudam a vida desses jovens e abrem caminho para que mais pessoas saibam dessa possibilidade'', expõe Mariana.
Serviço
O Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas atua em ações e atividades relativas à proteção dos Direitos Humanos, envolvendo especialmente a preservação e reparação dos direitos de grupos sociais vulneráveis e de pessoas vítimas de tortura, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência. Os contatos do NDHAC são:
Telefone: (85) 98895.5514 / (85) 98873.9535
E-mail: ndhac@defensoria.ce.def.br
Fonte: O Povo
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