segunda-feira, 25 de outubro de 2021

'Só tenho inveja de uma coisa: quando vejo uma pessoa vindo do trabalho', diz mulher que pega comida em caminhão de lixo em Fortaleza

 


A desempregada Jaqueline Batista dos Santos, 50 anos, uma das pessoas que aparecem em um vídeo retirando comida de um caminhão de lixo, em Fortaleza, conta que a vida dela pirou durante a pandemia e hoje tem “inveja” de quem tem emprego.

'Só tenho inveja de uma coisa: quando vejo uma pessoa vindo do trabalho', disse.

A mulher diz que os chamados para fazer serviços de faxina sumiram. “Ficou tudo difícil na pandemia, tudo. Eu fazia uma faxina, aparecia uma faxina e fazia, mas de lá pra cá, tudo foi por água abaixo e a realidade é essa”. Segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), 14 milhões de brasileiros estão desempregados.

E o dinheiro do Bolsa família fica longe de cobrir as despesas de Jaqueline. "Eu recebo R$ 150 do Bolsa Família, que é só meu, mas são R$ 150 por mês. O que você faz com R$ 150 por mês? Nada. Mas assim mesmo ainda agradeço porque é uma ajuda, se não fossem esses 150 ainda seria pior, afirmou.

Jaqueline e a filha Jocasta passaram a procurar comida nos caminhões de limpeza urbana que recolhem resíduos descartados de uma área comercial perto da comunidade onde as duas vivem. “Moro só, mas eu estou desempregada, não tenho trabalho e pra sobreviver eu tive que vir pra cá, pro lixo, pegar as coisas pra comer", disse.

O vídeo que viralizou nas redes sociais foi feito por um motorista que passava pelo local em 28 de setembro e mostra um grupo de nove pessoas revirando a caçamba do carro de lixo para conseguir comida nos fundos do complexo comercial que reúne supermercado, lojas e lanchonetes no Bairro Cocó, área nobre de Fortaleza. A imagem foi compartilhada nas redes sociais no domingo (17).

A maioria das pessoas que estão nas imagens, assim como Jaqueline e a filha Jocasta, mora na Comunidade do Trilho, que está em uma área cercada de condomínios e estabelecimentos.

Antes, elas olhavam as lixeiras desses locais principalmente para retirar latinhas, garrafas e papelão para vender e completar uma renda composta por programas sociais e bicos. Com a retração econômica na pandemia, o dinheiro ficou mais curto ainda. E agora o que essas pessoas procuram no lixo é comida.


Macarrão, carne e fruta

A dona de casa, que mora em apenas um cômodo, contou que no dia da filmagem conseguiu recolher macarrão instantâneo, carne e fruta. Em casa, ela separa o que dá para comer.

“Naquele dia eu trouxe miojo, trouxe maçã, trouxe uva e trouxe carne. Quando ele virou o tambor foi na hora que eu peguei, que eu vi dentro do carro e aí eu me agachei para pegar. Aí eu subi, porque, assim, quem não pegar primeiro, os outros vem e pega”.


Dormindo com fome

A mulher revelou ainda que quando sente fone, o “remédio” é agradecer a Deus e dormir.

“É ruim você dormir com fome, é muito ruim. Mas me levanto, pego um copo d'água e pede a Deus, que Deus passe e passa porque Deus é fiel. Quando bate a fome? Eu vou dormir, boto um copo d'água, ofereço para cima e agradeço a Deus e eu durmo porque Deus é fiel”, contou.


Mãe, filha e netas

A comida retirada do caminhão serve para mãe, filha e netas. Ao g1, Jocasta disse que já pegou carne ‘verde’ e deu para filhas. "Pego banana, fruta e carne verde. Eu escaldo, eu como e minhas filhas comem. Danone vencido também", disse.

Jaqueline disse que também já pegou alimentos com gosto ruim. “Muito difícil a gente vir sem nada, muitas vezes, a gente traz ovos, aí, quando chega em casa a gente pega uma leiteira d'água. Aí, enche e coloca os ovos dentro. Os que subir é porque está ruim, os que ficar em baixo é porque tá bom, aí a gente come. Eu lavo, tempero, torro e como [a carne que pega no lixo]. Às vezes, tá com gosto de amargo as asinhas de frango que a gente pega”.


Solidariedade

Depois da repercussão do vídeo, moradores da área e voluntários passaram a organizar doações de cesta básica no local. A primeira entrega de cestas ocorreu neste sábado (23).

Mas outras iniciativas de solidariedade surgem na capital cearense. É o caso da loja Bem Bom, criada por uma agência de publicidade para o shopping Iguatemi. Todo o dinheiro das vendas vai para compra de cestas básicas. O shopping cedeu o espaço para a loja; os produtos são fornecidos por empresas, e associações comunitárias fazem a ponte para que os alimentos cheguem às famílias.

“Aquele trajeto [local do vídeo] é quase que diário meu e eu já presenciei inúmeras vezes, infelizmente. É uma facada né?”, diz a empresária Afra Bellucci, que criou sorvetes especiais para serem comercializados na loja Bem Bom.


Por Aline Oliveira e Gioras Xerez, TV Verdes Mares e g1 CE


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