A Campossalense Izabela Carvalho, 27 anos, posta vídeos em seu TikTok como qualquer outra jovem da sua idade: mostra seu dia a dia, os novos treinos na academia e reproduz as coreografias que viraram tendência nas redes sociais. Com as publicações, ela passa uma mensagem: a de que a deficiência que tem em sua perna esquerda causada pela esclerodermia —doença inflamatória crônica que causa o endurecimento da pele— é apenas uma diferença, não uma limitação.
Por causa das sequelas da
doença, Izabela passou a infância, a adolescência e parte do início da vida
adulta sem usar shorts, saias ou outra peça de roupa curta. Em março de 2019, a
maquiadora quis fazer um post nas redes sociais que seria sua libertação:
falaria, enfim, publicamente sobre a doença, que acomete com mais frequência as
mulheres e está ligada a fatores autoimunes.
"Não falava para todo
mundo sobre o que eu tinha, queria me libertar disso. Fiz uma sessão de fotos e
um post. O intuito era me aceitar e dizer para mim mesma que eu poderia usar o
que eu quisesse. Quando postei, as pessoas me deram muito apoio, e a foto
viralizou".
Três meses depois da
publicação, a maquiadora decidiu comprar só roupas curtas e ir a um tradicional
festival de música, em Juazeiro do Norte.
"Pensei que se, no
festival, com mais de 100 mil pessoas, eu não ligaria para estar usando roupa
curta, imagina na minha cidade? Desde esse dia, nunca mais deixei de usar o que
tinha vontade."
Com o alcance, a maquiadora
viu o potencial de usar as redes para se conectar com outras pessoas com a
mesma doença e ser fonte de informações confiáveis e de inspiração. Hoje, seus
vídeos somam mais de 6 milhões de visualizações no TikTok, e ela tem mais de
100 mil seguidores no Instagram.
"Sempre postei vídeo de
maquiagem. Fazia vídeo de desafios de make que demorava mais de cinco horas
para gravar, mas depois 'flopava'. E quando eu postava fotos minhas, com a
hashtag esclerodermia, as pessoas me davam um ótimo retorno. Muitas pessoas que
eu nunca tinha visto na vida começaram a me procurar, e essa comunidade começou
a crescer."
No final do ano passado, ela
fez o primeiro vídeo de uma dança no TikTok. "As pessoas falavam que
coloquei efeito na perna, tinham comentários xingando, coisas como 'essas
pessoas com deficiência inventam de tudo para aparecer' ou 'a perna dela parece
uma colher', e muitas pessoas dizendo que eu deveria amputar a perna. Fiquei
aterrorizada, passei a noite vendo esses comentários. Mas essas mensagens, na
verdade, me fortaleceram, porque eu estou tendo um alcance muito maior com
mensagens positivas."
Infância de luta contra a
doença
Izabela nasceu e cresceu em
Campos Sales, cidade de 26 mil habitantes no Cariri cearense, na divisa com o
Piauí. A família da jovem descobriu a doença quando ela tinha quatro anos. Sua
mãe observou uma mancha que surgiu no joelho e progrediu para uma ferida que
não cicatrizava.
"A gente morava em um
sítio, minha mãe procurou vários médicos para entender o que estava
acontecendo. Viajávamos para muitos lugares para fazer os exames, mas eles não
sabiam dizer o que eu tinha, é uma doença rara."
Izabela e sua mãe foram para
São Paulo investigar a doença. A menina foi tratada no Hospital das Clínicas,
onde a equipe médica descobriu que o problema já estava muito avançado, e ela
teve que fazer uma cirurgia para estacionar a progressão da doença. A mãe e a
menina passaram quase um ano na capital paulista.
"Após a cirurgia, tive
uma infecção, e os médicos falaram que havia riscos de ter consequências mais
graves. Fiquei um ano em São Paulo e alguns meses no hospital, me
tratando", relata a jovem.
"Quando eu voltei para o
Ceará, não consegui manter a fisioterapia. Às vezes era muito difícil, até
pelos preços, a gente não ia sempre, só quando conseguíamos os serviços pelo
SUS."
Construção da autoestima
Izabela conta que não sentiu
preconceito na infância, entre os amigos da escola e no convívio familiar.
"Teve um episódio de uma professora de educação física que dizia que eu
não poderia participar das aulas porque eu não valia, como se eu fosse 'café
com leite'. E as outras crianças que falaram que sim, eu deveria participar.
Essas coisas fazem a gente se sentir inútil."
"Eu corria mais devagar,
do meu jeitinho, mas brincava com meus primos e colegas de escola como qualquer
outra criança."
Izabela foi crescendo e cada
vez mais os pequenos comentários, às vezes escondidos como elogios, faziam a
menina se sentir mal e tentar esconder a doença. "Um dia, uma amiga minha
disse 'se você não tivesse esse problema na perna, você seria perfeita', que eu
era 'bonita de rosto', isso quando eu estava quase começando a me
aceitar."
"Mas minha mãe sempre
insistia para eu me aceitar. O grande sonho dela era que eu fizesse uma
cirurgia de alongamento ósseo, que corrigisse a diferença de altura entre as
pernas, e fizesse um preenchimento."
A um ano de fazer a cirurgia,
quando Izabela tinha 16 anos, sua mãe morreu em um acidente de trânsito, aos 42
anos. "Isso dificultou tudo para mim. Tive que cuidar da minha irmã mais
nova, que tinha apenas dois anos, a última coisa que eu pensava era fazer
tratamento. Ficava com receio de passar tempo fora de casa e deixá-la
sozinha", lembra.
Hoje, a influenciadora conta
que só faria cirurgias com o objetivo de ganhar qualidade de vida. "Não
faria mais por estética. Foi difícil para mim me aceitar como sou. Por muito
tempo me via nas fotos e me achava feia, não conseguia me amar. Mas a gente
nunca vai conseguir estar dentro de um padrão."
Os vídeos na internet abriram
muitas portas na vida da Izabela, que fechou até publicidade com marcas e
empresas locais. "Ando nos lugares na minha cidade e estou sendo
reconhecida", conta, orgulhosa.
Seu sonho é conseguir viver
como produtora de conteúdo na internet e incentivar as seguidoras a trabalharem
a autoestima. Ela pretende começar a fazer vídeos também para o YouTube com o
dia a dia na cidade onde vive.
"Quando você tem uma
deficiência e está ali mostrando que você pode fazer o que você faz, ajuda
muitas outras pessoas. Eu mesma pensava que jamais poderia fazer academia. Mas
encontrei uma personal trainer que me ajuda a adaptar treinos e
exercícios", conta.
"Até filtro no Instagram
eu parei de usar. Quero que as pessoas gostem de mim como sou. Nenhuma condição
física pode deixar a gente nos limitar. Uma das melhores coisas na vida é não
ter que viver com máscara, como farsa."
Fonte: Portal UOL
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