quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Cearenses submetidos a trabalho análogo à escravidão na Ásia são repatriados ao Brasil



Um grupo de cearenses, com idades entre 19 e 25 anos, estão sendo repatriados de Mianmar, na Ásia, ao Brasil. Eles viajaram para a Tailândia após receber ofertas de emprego com salário de 2 mil dólares, alimentação e estadia, mas foram submetidos a trabalho em condições análogas à escravidão. Conforme o parente de uma das vítimas, seis pessoas naturais da cidade de Sobral, no norte do Ceará, foram aliciadas.

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) informou, nesta terça-feira (15), que a repatriação ocorreu após negociações pela liberação por meio da Embaixada do Brasil em Yangon, maior cidade de Mianmar. A chegada ao território nacional está prevista para os próximos dias.

Segundo o mototaxista Otoniel Mendes, parente de uma das pessoas que caíram no golpe, a vítima estava com o namorado em um país europeu, onde trabalhavam. Lá, o casal recebeu de um morador de Sobral uma proposta de emprego para trabalhar na Tailândia, na Ásia, com criptomoedas, as moedas digitais.

As vítimas ficaram no novo emprego durante três meses, e a família acreditava que estariam bem. Otoniel relatou receber mensagens dizendo que estava "tudo bem" e confirmando os benefícios que as vítimas deveriam ter. No entanto, as mensagens eram apenas de texto — não havia envio de áudios ou vídeos, nem ligações.

No entanto, após uma emissora de TV divulgar reportagem sobre trabalho escravo na Ásia, o mototaxista "comprovou" o que já vinha desconfiando havia um tempo: as mensagens enviadas pela familiar tinham um tom diferente do que ela costumava usar. "Não, essa não é ela. Tem algo errado aí. Porque, da maneira que ela tava me respondendo, tinha algo errado", disse o parente.

Em determinado momento, a pessoa responsável pelo envio das mensagens enviou uma foto da parente de Otoniel, mas de quando ela ainda estava na Europa. Ele, então, mandou nova mensagem, mas não obteve resposta.

"Olha, é uma situação difícil. É complicado você saber, pensar que não vai ver mais seu ente querido de volta. Você entra numa zona de desconforto que não sabe o que vai fazer. Você ter seu ente querido a 14 mil quilômetros de distância de você, do outro lado do mundo, pra você ter de aguentar tem que pedir muita força a Deus", diz.


Trabalho escravo

Os empregos eram oferecidos com bons salários e benefícios como instalação, estadia e alimentação a cargo da empresa contratante. No entanto, a situação descrita por Otoniel era subumana, com carga horária de 14 a 16 horas diárias e uma folga por mês.

Ainda segundo ele, as vítimas ficavam em cárcere privado, na frente de um computador, apenas bebendo refrigerante, para estimular a aguentar as funções. Caso ocorresse algum erro ou ação indevida, os trabalhadores tinham de pagar multa, com valor descontado nos salários — que sequer batiam com a oferta.

"Eles foram para lá pensando que era um trabalho digno, mas eles foram vítimas", disse Otoniel, apontando que a função se tratava de um golpe com criptomoedas.

Após repercussão do assunto na imprensa local, o grupo de brasileiros, então, foi levado pela empresa até um hotel na fronteira entre Mianmar e Tailândia e informado de que a imigração brasileira iria até o local para fazer a repatriação. Ao chegar lá, contudo, as vítimas foram detidas pela imigração mianmarense.

O grupo, então, passou dez dias sem realizar contato, o que deixou as famílias aflitas. Otoniel passou a contatar as embaixadas do Brasil em Mianmar e do Mianmar no Brasil e a ficar mandando mensagens durante o dia inteiro, dada a diferença de fuso horário entre os países.

"Lá, o fuso era 11 a 12 horas de diferença do nosso. Muitas vezes passava a madrugada acordado, cobrando o andamento da liberação [...] Tinha momentos em que minhas pernas faltavam os movimentos. Há mais de um mês que não trabalho, sem dormir direito resolvendo essa situação, sem se alimentar direito".


Golpe alertado

Em 22 de setembro deste ano, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) divulgou que a Embaixada do Brasil em Yangon vinha sendo notificada desde aquele mês de casos de aliciamento de brasileiros para trabalho em condições análogas à escravidão no país. O esquema ofereceria vagas de emprego em operações na Tailândia.

Segundo a pasta, os brasileiros eram induzidos a assinar cláusula de confidencialidade e transportados, por via rodoviária, ao território de Mianmar. Lá, eles teriam passaportes retidos e eram submetidos a "longas jornadas de trabalho, privação parcial da liberdade de movimento e possíveis abusos físicos".

Em razão disso, a Embaixada do Brasil em Yangon desaconselhou "fortemente" a adesão a contratos de trabalho com tais características e disse manter "interlocução permanente" sobre o assunto com as autoridades de Mianmar.

Após as tratativas pelo retorno da parente, Otoniel Mendes frisou a necessidade de que pessoas que recebam ofertas de emprego com propostas tentadoras em outros países redobrem os cuidados. Para ele, tanto a origem quanto outros dados da empresa e das pessoas recrutadoras devem ser analisados por parte dos candidatos.

"Esses aliciadores só vêm pensando neles. Eles não estão nem aí para você, sua família, porque ele tá tendo retorno por cada pessoa que tá levando para lá", afirmou. "É um golpe, você corre o risco de não voltar mais, você vai chorar um choro que sua mãe nunca viu. Sem contar o desespero que sua família vai estar tendo aqui".


Por g1 CE


Nenhum comentário:

Postar um comentário