A pedagoga Tainã Feitosa de Matos, de 31 anos, descobriu ter
Transtorno do Espectro Autista (TEA) depois do diagnóstico da filha de 6 anos,
que também tem autismo. As duas moram na cidade do Crato, Cariri cearense.
Tainã faz um trabalho de conscientização sobre o tema nas
redes sociais, compartilha a rotina da família que convive com o transtorno, e
desmistifica preconceitos sobre o transtorno.
Neste 2 de abril, Dia Mundial de Conscientização do Autismo,
o g1 ouviu a pedagoga sobre o seu trabalho, maternidade, desafios e lutas e,
claro, as felizes autodescobertas após o diagnóstico.
"Acho essa temática de extrema importância, primeiro
porque as pessoas têm uma ideia muito distorcida do que é ser autista. Acabam
colocando todos os autistas em um canto só, como se todos fossem do mesmo jeito
e precisassem ter as mesmas características. As pessoas tendem a nos limitar,
achar que não somos capazes", disse Tainã.
O Ministério da Saúde define o TEA como um "um problema
no desenvolvimento neurológico que prejudica a organização de pensamentos,
sentimentos e emoções".
Existem vários níveis da condição. Conforme já noticiado
pelo g1, o diagnóstico tardio, como no caso de Tainã, é comum em alguns casos.
De acordo com a coordenadora do programa de diagnóstico do
Transtorno do Espectro Autista (TEA) do Hospital das Clínicas, na USP, os
níveis básicos são estes:
No nível 1, pacientes não têm a presença de deficiência
intelectual e possuem, inclusive, nível cognitivo muito alto, frequentando a
escola com aprendizado e entrando no mercado de trabalho.
No nível 2, os pacientes têm uma ou mais comorbidades, mais
associados a alguns quadros genéticos e neurológicos, e que pode haver
prejuízos no comportamento que geram dificuldade de aceitação na sociedade.
No nível 3, estão os casos de dependência maior das
famílias, com cuidado frequente. "Aí são, muitas vezes, pacientes
não-verbais, com comorbidades, condições genéticas e neurológicas. E muitas
vezes há uma dificuldade de estar na escola, ter uma vida autônoma", afirma
Joana.
A pedagoga Tainã Feitosa de Matos está no nível 1, já sua
filha está no nível 2. Na família, são oito pessoas com autismo, entre crianças
e adultos. O transtorno tem base genética.
"Aos dois anos eu descobri que ela estava dentro do
espectro. E, desde esse dia, foi uma batalha constante para aprender cada vez
mais, fazendo especialização, estudando, procurando os melhores
profissionais", disse Tainã.
A rotina das duas, como resume Tainã, deve ser organizada e
'descomplicada'. Isso significa que elas precisam seguir o planejamento do dia,
ter uma comunicação mais assertiva, ter espaço para suas expressões e
autodescobertas.
‘Autodescoberta’ é a palavra chave aqui. Após o diagnóstico,
tanto a mãe quanto a filha vivem dias mais felizes e tranquilos. É preciso se
conhecer para seguir o tratamento com multiprofissionais, como psicólogos,
neurologistas, fonoaudiólogos.
No caso de Tainã, que teve seu diagnóstico aos 30 anos, a
descoberta trouxe mudanças significativas na sua vida e também explicou por que
ela se sentia tão 'diferente' de outras pessoas. Um caso que se tornou famoso
de diagnóstico tardio de autismo é o da atriz Letícia Sabatella, que recebeu a
notícia aos 52 anos.
"Quando o diagnóstico saiu, e contei para os meus
familiares, a minha mãe teve a melhor reação do mundo. Ela disse 'Eu sabia,
porque tudo que a Nicole faz, você fazia do mesmo jeito, só que com algumas
constâncias diferentes" ', explicou Tainã.
Alguns exemplos dessas 'semelhanças' no caso das duas são:
Resistência a dor;
Rigidez cognitiva;
Resistência a toque e beijos - contato, no geral;
Hiperfoco;
'Não ter filtro social', como a pedagoga mesmo disse.
Tainã relembrou uma história de infância:
"Eu tinha sete anos e estava brincando com meu irmão em
casa. Tropecei, caí em cima do meu dedo mindinho, que foi quebrado em dois
lugares diferentes. Mas, levantei, sacudi a poeira do dedo e saí correndo. No
terceiro dia, estava me dando febre alta, e fui para o hospital".
Ela conta ter sofrido mais na adolescência, quando sentia
que não conseguia se encaixar nos padrões sociais. Era chamada de "sem
personalidade", "esquisita", "sem noção" e precisou
criar até algumas 'máscaras' para lidar com todos ao redor. Com o diagnóstico,
veio a leveza:
"Foi uma libertação. Na minha cabeça martelava muito,
porque pensava que não sou como as outras pessoas. Eu via isso como algo ruim,
e hoje vejo como uma coisa boa. Na realidade, ninguém é igual a ninguém. A
liberdade é todos respeitarem as diferenças de cada um", desabafou Tainã.
Já sobre a rotina 'descomplicada', a pedagoga explica que
precisa de previsibilidade. Nada de mudar os planos de última hora, hein?!. As
demandas dela e da filha são diferentes.
Por exemplo: a Tainã disse que não consegue se organizar
direito e, por isso, recebe ajuda de seu esposo e dos pais. "Não consigo
compreender três comandos ao mesmo tempo. Eu sou muito literal nas coisas. Não
tenho motricidade boa. Para andar de bicicleta, abrir uma latinha de
refrigerante, por exemplo, preciso de ajuda".
Em contrapartida, Tainã se sai muito bem com tecnologias,
como jogos de videogame.
Já Nicole, que é nível 2 de suporte, ficou até os cinco anos
de idade sem falar, por conta do distúrbio de linguagem.
"Sou nível de suporte 1, mas tenho as comorbidades
associadas ao autismo, como TDAH (transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade) e ansiedade. Já minha filha tem ansiedade, TOC (Transtorno
obsessivo-compulsivo) e apraxia da fala".
A profissão de pedagoga ajuda no trato com a filha e também
no seu trabalho com as redes sociais. Lá, educa o público sobre o que é o
autismo, com identificar alguém que faz parte do espectro, o que não fazer e
como somar na luta.
Um exemplo é o vídeo '6 CARACTERÍSTICAS MINHAS QUE EU NÃO
SABIA QUE ERA DO AUTISMO', onde Tainã conta de seus hiperfocos e irritabilidade
com barulhos e luzes fortes.
"O diagnóstico nunca vai ser tranquilo de encarar. Ela
só fica tranquilo depois, quando você compreende ele. Na hora é um choque. A
gente vive em um país onde as pessoas são altamente preconceituosas. Pensei
sobre minha filha. Vão machucar ela? Os pais sempre projetam um futuro para o
filho, mas a gente esquece que é o filho que vai criar o futuro", concluiu
Tainã Feitosa.
Por Gabriela Feitosa,
g1 CE
Nenhum comentário:
Postar um comentário