segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Alunos de escola cearense desenvolvem óculos que ajudam pessoas com deficiência visual a ler textos impressos


Com a aplicação da ciência e da tecnologia, objetos simples como um par de óculos, um microfone e uma câmera podem levar a um grande avanço no acesso às informações para pessoas com deficiência visual. A ideia de facilitar a leitura de textos impressos com a visão computacional tem sido desenvolvida por alunos de uma escola pública na cidade de Itaitinga, na região metropolitana de Fortaleza.

O projeto E-Vision: Transformando a Educação com Tecnologia Inclusiva conta com oito alunos que cursam o 2º ano do Ensino Médio na Escola Estadual de Educação Profissional Professor Francisco Aristóteles de Sousa.

A iniciativa é semifinalista na premiação Solve For Tomorrow Brazil, que seleciona ideias inovadoras desenvolvidas nas escolas públicas (ver abaixo).

Com o protótipo do E-Vision, os alunos buscam apresentar uma solução prática para diminuir barreiras encontradas por pessoas com deficiências nos ambientes educacionais.

 

Como funciona o E-Vision:

O protótipo do E-Vision consiste em um par de óculos com câmera e microfone acoplados.

A partir de um comando de voz do usuário, ele aciona uma assistente virtual.

A câmera faz a captura do texto à frente do usuário, com conteúdo que será descrito pela assistente virtual para que o usuário possa escutar.

Para desenvolver o protótipo, os alunos contaram com a orientação do professor Rodrigo Castro, que coordena a Base Técnica de Tecnologia da Informação na escola. Os estudantes envolvidos no projeto integram o Curso Técnico em Redes de Computadores.

A unidade oferece educação em tempo integral e alia o ensino médio à formação profissional de nível técnico, qualificando os jovens para ingressar no mercado de trabalho e para concorrer a vagas nas universidades.

No projeto, os alunos são estimulados a conhecer e dominar tecnologias existentes, como a visão computacional e a inteligência artificial.

Os estudantes que representam o projeto são: Ana Caroline de Sousa Bandeira, Francisca Diana Bessa Ferrer, Jadson Araújo da Silva, Kayane Oliveira Almeida, Maria Alice Magalhães Lima, Maria Clara Barbosa de Sousa, Sophia Lara da Silva Martins e Victor Gabriel Ferreira Lima.

Conforme o professor Rodrigo Castro, o primeiro objetivo era desenvolver o E-Vision para a leitura de textos impressos nos materiais didáticos no ambiente da escola. Em seguida, veio a ideia de auxiliar também com a descrição de imagens que estão perto do usuário.

Com a nova função, a assistente virtual Ivi descreve as características da imagem capturada pela câmera. Para isso, o usuário precisa solicitar a leitura por comando de voz. Cores, formas e informações sobre os objetos são elementos presentes na descrição.

“Em seis meses, o nosso protótipo evoluiu da captura de texto para criar outras possibilidades para que o deficiente possa ter mais liberdade de conhecer, de entender, de vivenciar. Além da leitura do texto e da captura de ambientes, ele faz leitura de objetos”, explica Rodrigo Castro.

 

Do problema à inovação

O desenvolvimento do E-Vision começou no primeiro semestre de 2024. No início do ano letivo, a escola realiza um Celeiro Científico, reunindo grupos de alunos para discutir ideias inovadoras a partir de problemas reais. O desafio é encontrar soluções que envolvem tecnologia, engenharia e matemática.

Como contextualiza Rodrigo, os estudantes são chamados a pensar nas dificuldades enfrentadas no ambiente escolar ou nas realidades dos próprios membros do grupo. Inicialmente com 19 alunos, o protótipo do E-Vision começou a ser desenhado pensando na experiência de um ex-aluno da unidade.

“Dentro da problemática da escola, nós tínhamos um aluno deficiente visual que fazia o curso na base regular e na base técnica. Ele tinha pouca assistência no quesito de material pedagógico, devido à questão de [o material adaptado] não chegar a tempo de ele se debruçar sobre o conteúdo e acompanhar o ritmo dos outros alunos”, relembra o professor.

Diante do problema identificado, o grupo pensou nos óculos que facilitariam a leitura dos materiais didáticos usados pelos alunos que não têm deficiências. O objetivo é evitar que estudantes com deficiência visual fiquem dependentes de outros colegas ou do tempo de adaptação dos materiais para leitura em braile.

Este não é o primeiro projeto desenvolvido pelos alunos da escola Professor Francisco Aristóteles de Sousa. Dentre as experiências recentes, estão também um robô com inteligência artificial para trazer orientações sobre inclusão, equidade de gênero e proteção para as mulheres.

“Todo início de primeiro semestre, existe um grupo de professores que se articula para fomentar essa iniciação científica [...]. E o que é bacana nisso tudo é que essas propostas que eles trazem, muitas vezes, eles não visualizam no modelo científico. E a gente passa o semestre desenvolvendo esses projetos, estimulando e encantando eles para esse quesito”, comenta Rodrigo.

O caminho de cada projeto envolve fases teóricas. Para o E-Vision, por exemplo, este processo incluiu a discussão sobre o número predominante de mulheres entre as pessoas cegas no mundo. Outra reflexão foi sobre as dificuldades de acesso à educação, tomando como exemplo a própria escola em Itaitinga, que teve apenas um aluno com deficiência visual nos últimos 14 anos.

 

Testando e aprimorando

Os oito alunos que seguiram trabalhando no protótipo do E-Vision fizeram também etapas de avaliação dos óculos com visão computacional. Depois de testes entre os próprios alunos, o professor orientador convidou duas pessoas com deficiência visual para a fase de experimentos.

Os usuários responderam algumas perguntas em um formulário de acompanhamento. Nessa etapa, foi possível ter conversas mais detalhadas sobre as barreiras enfrentadas por eles nos estudos.

“Eles enfatizaram que a falta do material adaptado traz um prejuízo para eles. Eles conseguiram concluir apenas o Ensino Médio e não deram continuidade à formação porque um dos maiores questionamentos é não ter materiais e o aparato necessário para fazer um curso na universidade, pois eles têm direito de estar lá, mas não querem fazer por fazer, eles querem aprender”, relata Rodrigo.

Diante destes diálogos, a equipe envolvida teve uma maior dimensão da importância do projeto para a sociedade.

O desenvolvimento do E-Vision levou também à incorporação da inteligência artificial para auxiliar os usuários com a assistente virtual. A ideia é ir além do ambiente educacional, podendo tirar dúvidas e dar respostas detalhadas sobre o ambiente onde o equipamento for usado.

Passar por estes processos também permite aos alunos desenvolver habilidades de raciocínio lógico e programação, além da desenvoltura para apresentação do projeto e escrita dos cadernos de campo.

 

Próximos passos

Atualmente, os alunos são semifinalistas no prêmio Solve For Tomorrow Brasil, iniciativa da empresa Samsung para estimular estudantes de Ensino Médio das escolas públicas para a criação de soluções inovadoras.

A iniciativa está há dez anos no Brasil, reconhecendo e estimulando projetos que geram impacto positivo para a sociedade e o meio ambiente.

Dentre as 20 ideias semifinalistas, duas são cearenses. A Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Marconi Coelho Reis, da cidade de Cascavel, também concorre com o projeto de uma membrana polimérica biodegradável multifuncional para o tratamento de água.

Conforme Anna Karina Pinto, diretora de Marketing Corporativo da Samsung Brasil, os projetos devem ser analisados pela proposição de ideias inovadoras e alinhamento com a abordagem que envolve ciência, tecnologia, engenharia e matemática (conhecida como STEM, no inglês).

Outros aspectos também são levados em conta, como a relevância científica e tecnológica, viabilidade, habilidades mobilizadas e investigação científica.

“É sempre uma satisfação muito grande vermos a dedicação e a criatividade que os estudantes e professores colocam nos projetos desenvolvidos para o Solve For Tomorrow Brasil. Nosso foco é em promover a discussão e o desenvolvimento de ações focadas em soluções para problemas reais”, comenta Anna Karina Pinto.

Entre os meses de agosto e outubro, todos os projetos semifinalistas participam de uma mentoria com especialistas. Nesta fase, os mentores da iniciativa orientam as equipes para refinar as propostas, com atividades virtuais e fóruns de discussão.

Cada professor orientador das equipes semifinalistas recebem um tablet como premiação. Nas etapas seguintes, os prêmios voltados para professores e estudantes incluem notebook, tablet, smartphone e smartwatch, dependendo da colocação final de cada equipe. O resultado final deve ser divulgado no mês de dezembro.

A equipe do projeto E-Vison também se prepara para outras competições. No próximo mês, os alunos participam de seleção para representar as escolas da região. O objetivo final é estar dentre os projetos selecionados no Ceará Faz Ciência.

O concurso é realizado por iniciativa da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece), também oferecendo premiações e oportunidades para apresentação dos projetos em eventos estaduais.

Para o professor Rodrigo Castro, a expectativa é encontrar pessoas que acreditem no desenvolvimento do E-Vision como uma ferramenta que possa chegar às pessoas com deficiência visual.

O orientador acrescenta que o objetivo não é conseguir comercializar o produto, mas conseguir parcerias que possibilitem o desenvolvimento dos óculos para promover uma educação mais inclusiva.

 

Por g1 CE

 

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