Com a aplicação da ciência e da tecnologia, objetos simples
como um par de óculos, um microfone e uma câmera podem levar a um grande avanço
no acesso às informações para pessoas com deficiência visual. A ideia de
facilitar a leitura de textos impressos com a visão computacional tem sido
desenvolvida por alunos de uma escola pública na cidade de Itaitinga, na região
metropolitana de Fortaleza.
O projeto E-Vision: Transformando a Educação com Tecnologia
Inclusiva conta com oito alunos que cursam o 2º ano do Ensino Médio na Escola
Estadual de Educação Profissional Professor Francisco Aristóteles de Sousa.
A iniciativa é semifinalista na premiação Solve For Tomorrow
Brazil, que seleciona ideias inovadoras desenvolvidas nas escolas públicas (ver
abaixo).
Com o protótipo do E-Vision, os alunos buscam apresentar uma
solução prática para diminuir barreiras encontradas por pessoas com
deficiências nos ambientes educacionais.
Como funciona o E-Vision:
O protótipo do E-Vision consiste em um par de óculos com
câmera e microfone acoplados.
A partir de um comando de voz do usuário, ele aciona uma
assistente virtual.
A câmera faz a captura do texto à frente do usuário, com
conteúdo que será descrito pela assistente virtual para que o usuário possa
escutar.
Para desenvolver o protótipo, os alunos contaram com a
orientação do professor Rodrigo Castro, que coordena a Base Técnica de
Tecnologia da Informação na escola. Os estudantes envolvidos no projeto
integram o Curso Técnico em Redes de Computadores.
A unidade oferece educação em tempo integral e alia o ensino
médio à formação profissional de nível técnico, qualificando os jovens para
ingressar no mercado de trabalho e para concorrer a vagas nas universidades.
No projeto, os alunos são estimulados a conhecer e dominar
tecnologias existentes, como a visão computacional e a inteligência artificial.
Os estudantes que representam o projeto são: Ana Caroline de
Sousa Bandeira, Francisca Diana Bessa Ferrer, Jadson Araújo da Silva, Kayane
Oliveira Almeida, Maria Alice Magalhães Lima, Maria Clara Barbosa de Sousa,
Sophia Lara da Silva Martins e Victor Gabriel Ferreira Lima.
Conforme o professor Rodrigo Castro, o primeiro objetivo era
desenvolver o E-Vision para a leitura de textos impressos nos materiais
didáticos no ambiente da escola. Em seguida, veio a ideia de auxiliar também
com a descrição de imagens que estão perto do usuário.
Com a nova função, a assistente virtual Ivi descreve as
características da imagem capturada pela câmera. Para isso, o usuário precisa
solicitar a leitura por comando de voz. Cores, formas e informações sobre os
objetos são elementos presentes na descrição.
“Em seis meses, o nosso protótipo evoluiu da captura de
texto para criar outras possibilidades para que o deficiente possa ter mais
liberdade de conhecer, de entender, de vivenciar. Além da leitura do texto e da
captura de ambientes, ele faz leitura de objetos”, explica Rodrigo Castro.
Do problema à inovação
O desenvolvimento do E-Vision começou no primeiro semestre
de 2024. No início do ano letivo, a escola realiza um Celeiro Científico,
reunindo grupos de alunos para discutir ideias inovadoras a partir de problemas
reais. O desafio é encontrar soluções que envolvem tecnologia, engenharia e
matemática.
Como contextualiza Rodrigo, os estudantes são chamados a
pensar nas dificuldades enfrentadas no ambiente escolar ou nas realidades dos
próprios membros do grupo. Inicialmente com 19 alunos, o protótipo do E-Vision
começou a ser desenhado pensando na experiência de um ex-aluno da unidade.
“Dentro da problemática da escola, nós tínhamos um aluno
deficiente visual que fazia o curso na base regular e na base técnica. Ele
tinha pouca assistência no quesito de material pedagógico, devido à questão de
[o material adaptado] não chegar a tempo de ele se debruçar sobre o conteúdo e
acompanhar o ritmo dos outros alunos”, relembra o professor.
Diante do problema identificado, o grupo pensou nos óculos
que facilitariam a leitura dos materiais didáticos usados pelos alunos que não
têm deficiências. O objetivo é evitar que estudantes com deficiência visual
fiquem dependentes de outros colegas ou do tempo de adaptação dos materiais
para leitura em braile.
Este não é o primeiro projeto desenvolvido pelos alunos da
escola Professor Francisco Aristóteles de Sousa. Dentre as experiências
recentes, estão também um robô com inteligência artificial para trazer
orientações sobre inclusão, equidade de gênero e proteção para as mulheres.
“Todo início de primeiro semestre, existe um grupo de
professores que se articula para fomentar essa iniciação científica [...]. E o
que é bacana nisso tudo é que essas propostas que eles trazem, muitas vezes,
eles não visualizam no modelo científico. E a gente passa o semestre
desenvolvendo esses projetos, estimulando e encantando eles para esse quesito”,
comenta Rodrigo.
O caminho de cada projeto envolve fases teóricas. Para o
E-Vision, por exemplo, este processo incluiu a discussão sobre o número
predominante de mulheres entre as pessoas cegas no mundo. Outra reflexão foi
sobre as dificuldades de acesso à educação, tomando como exemplo a própria
escola em Itaitinga, que teve apenas um aluno com deficiência visual nos
últimos 14 anos.
Testando e aprimorando
Os oito alunos que seguiram trabalhando no protótipo do
E-Vision fizeram também etapas de avaliação dos óculos com visão computacional.
Depois de testes entre os próprios alunos, o professor orientador convidou duas
pessoas com deficiência visual para a fase de experimentos.
Os usuários responderam algumas perguntas em um formulário
de acompanhamento. Nessa etapa, foi possível ter conversas mais detalhadas
sobre as barreiras enfrentadas por eles nos estudos.
“Eles enfatizaram que a falta do material adaptado traz um
prejuízo para eles. Eles conseguiram concluir apenas o Ensino Médio e não deram
continuidade à formação porque um dos maiores questionamentos é não ter
materiais e o aparato necessário para fazer um curso na universidade, pois eles
têm direito de estar lá, mas não querem fazer por fazer, eles querem aprender”,
relata Rodrigo.
Diante destes diálogos, a equipe envolvida teve uma maior
dimensão da importância do projeto para a sociedade.
O desenvolvimento do E-Vision levou também à incorporação da
inteligência artificial para auxiliar os usuários com a assistente virtual. A
ideia é ir além do ambiente educacional, podendo tirar dúvidas e dar respostas
detalhadas sobre o ambiente onde o equipamento for usado.
Passar por estes processos também permite aos alunos
desenvolver habilidades de raciocínio lógico e programação, além da
desenvoltura para apresentação do projeto e escrita dos cadernos de campo.
Próximos passos
Atualmente, os alunos são semifinalistas no prêmio Solve For
Tomorrow Brasil, iniciativa da empresa Samsung para estimular estudantes de
Ensino Médio das escolas públicas para a criação de soluções inovadoras.
A iniciativa está há dez anos no Brasil, reconhecendo e
estimulando projetos que geram impacto positivo para a sociedade e o meio
ambiente.
Dentre as 20 ideias semifinalistas, duas são cearenses. A
Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Marconi Coelho Reis, da cidade de
Cascavel, também concorre com o projeto de uma membrana polimérica
biodegradável multifuncional para o tratamento de água.
Conforme Anna Karina Pinto, diretora de Marketing
Corporativo da Samsung Brasil, os projetos devem ser analisados pela proposição
de ideias inovadoras e alinhamento com a abordagem que envolve ciência,
tecnologia, engenharia e matemática (conhecida como STEM, no inglês).
Outros aspectos também são levados em conta, como a
relevância científica e tecnológica, viabilidade, habilidades mobilizadas e
investigação científica.
“É sempre uma satisfação muito grande vermos a dedicação e a
criatividade que os estudantes e professores colocam nos projetos desenvolvidos
para o Solve For Tomorrow Brasil. Nosso foco é em promover a discussão e o
desenvolvimento de ações focadas em soluções para problemas reais”, comenta
Anna Karina Pinto.
Entre os meses de agosto e outubro, todos os projetos
semifinalistas participam de uma mentoria com especialistas. Nesta fase, os
mentores da iniciativa orientam as equipes para refinar as propostas, com
atividades virtuais e fóruns de discussão.
Cada professor orientador das equipes semifinalistas recebem
um tablet como premiação. Nas etapas seguintes, os prêmios voltados para
professores e estudantes incluem notebook, tablet, smartphone e smartwatch,
dependendo da colocação final de cada equipe. O resultado final deve ser
divulgado no mês de dezembro.
A equipe do projeto E-Vison também se prepara para outras
competições. No próximo mês, os alunos participam de seleção para representar
as escolas da região. O objetivo final é estar dentre os projetos selecionados
no Ceará Faz Ciência.
O concurso é realizado por iniciativa da Secretaria da
Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece), também oferecendo
premiações e oportunidades para apresentação dos projetos em eventos estaduais.
Para o professor Rodrigo Castro, a expectativa é encontrar
pessoas que acreditem no desenvolvimento do E-Vision como uma ferramenta que
possa chegar às pessoas com deficiência visual.
O orientador acrescenta que o objetivo não é conseguir
comercializar o produto, mas conseguir parcerias que possibilitem o
desenvolvimento dos óculos para promover uma educação mais inclusiva.
Por g1 CE
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