terça-feira, 5 de novembro de 2024

Jovem com tumor raro que levou à mudança de cor da pele teve que abandonar estudos por causa da doença


 A jovem cearense Sabrina Gomes, 24 anos, que sofreu uma brusca mudança na cor da pele por conta de tumor raro, precisou abandonar os estudos após receber o diagnóstico para passar pelo tratamento.

Sabrina foi diagnosticada com um timoma, um tumor raro no tórax, que levou ao desenvolvimento da Síndrome de Cushing. Juntos, os dois problemas provocaram a alteração da cor da pele, além de diversos outros problemas como hipertensão, dificuldades respiratórias, insuficiência renal e distúrbios metabólicos.

Quando recebeu o primeiro diagnóstico do timoma, em 2015, Sabrina estava cursando o 9º ano do ensino fundamental. Conforme a família da jovem contou ao g1, por volta do meio do ano ela já precisou abandonar a escola por conta do tumor. Desde então, ela não conseguiu voltar a estudar.

De lá para cá, já são quase dez anos de tratamento. Neste período, Sabrina contabiliza três quimioterapias, radioterapia e cinco cirurgias - a última foi realizada no sábado (2) para desobstruir a traqueia, que estava sendo comprimida pelo tumor, impedindo a jovem de comer e dificultando a respira2ção. Atualmente, o tumor localizado no tórax está com 17 centímetros.

Agora, a equipe médica e a família de Sabrina tentam conseguir o lutécio radiotivo, uma medicação que pode estabilizar e até eliminar o tumor. A família espera há meses receber da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) o medicamento, que tem alto custo: em média R$ 32 mil, e ela precisa de quatro doses. (Veja resposta da secretaria mais abaixo)

A esperança da família é que, além de curar a doença, o tratamento permita a Sabrina retomar alguns de seus sonhos. A jovem quer voltar a estudar e cursar Medicina. Além disso, também quer viajar de avião e ir a shows de cantores como Bruno Mars.

"A Sabrina é um exemplo de superação, de resiliência. Resiliência resume a Sabrina, porque ela é uma pessoa muito, extremamente positiva", descreveu Vanessa Ívina, prima da jovem.

O tumor no tórax de Sabrina produz um hormônio chamado ACTH. Este hormônio já é naturalmente produzido pelo corpo humano para regular diversas funções do organismo. Mas, por conta do tumor, o organismo de Sabrina o produz em excesso.

Essa alta quantidade de ACTH fez com que as as chamadas glândulas adrenais produzissem, também em excesso, o cortisol. O cortisol é responsável, entre outras coisas, por regular os níveis de açúcar no sangue e fortalecer o sistema imunológico.

O excesso de cortisol, porém, causa problemas como hipertensão arterial, acúmulo de gordura, fadiga, dificuldade de cicatrização, entre outros sintomas.

Foi este cenário do tumor produzindo ACTH, que levou à hiperprodução de cortisol, que fez a jovem desenvolver a Síndrome de Cushing.

"Não é todo tumor que produz hormônio. O mais comum é não produzir, por isso que são entidades raras", explica a médica endocrinologista Ana Rosa Quidute, do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), que acompanha o caso de Sabrina.

Ela contou que, quando Sabrina começou a ser atendida no HUWC, o mais urgente foi estabilizar os níveis hormonais do organismo dela, que tinha desenvolvido a Síndrome de Cushing.

"Então, apesar dessa paciente ter um tumor, a gente tem que tratar rapidamente esse excesso hormonal, porque se você não trata o excesso hormonal, ele [paciente] morre primeiro do excesso hormonal que até do próprio tumor", explicou.

As glândulas adrenais de Sabrina, estimuladas pelo ATCH em excesso, hiperestimulavam a produção de cortisol. Primeiro, a equipe tentou controlar a situação hormonal por meio da medicação. No entanto, com a piora do quadro, foi feita uma adrenalictomia, cirurgia para retirada das glândulas adrenais.

A retirada das glândulas, em 2022, resolveu os excessos de cortisol causado pela Síndrome de Cushing, mas o tumor continuou a crescer. A cirurgia, no entanto, gerou um efeito colateral - uma aceleração na mudança na cor da pele de Sabrina.

"Essa cirurgia deixou a minha pele muito mais escura, junto com o tumor, que produz um hormônio chamado ACTH. Então, esse hormônio mexeu com a cor da minha pele. Junto com o tumor, como ele está bem grande, a cada vez eu vou ficando mais escura", explicou a própria Sabrina, em vídeo publicado nas redes sociais.

 

Entenda:

 

➡️ Após a retirada das glândulas adrenais, o tumor continuou a estimular a produção do hormônio ACTH

➡️ O ACTH tem a mesma origem e é produzido no mesmo processo que cria o hormônio MSH, que é responsável pela produção de melanina, uma proteína que dá cor à pele

➡️ Como o MSH e ACTH têm uma origem comum, os receptores das células acabam entendendo os dois como semelhantes

➡️ Com os níveis de ACTH altos por conta do tumor, o hormônio continuou a se acoplar com as células receptoras que produzem melanina, como se fosse MSH; já que os dois hormônios são "parecidos", as células acopladas ao ACTH, pensando se tratar do MSH, aumentaram a produção de melanina

➡️ O corpo de Sabrina, com excesso de ACTH, começou a produzir melanina em excesso, levando à hiperpigmentação da pele, causando o escurecimento de áreas do corpo.

 

A equipe médica que acompanha Sabrina ainda não sabe se a condição da mudança da sua cor de pele é reversível. No entanto, para haver qualquer mudança no quadro clínico, é necessário que o tumor reduza de tamanho - o que dependeria do sucesso do tratamento com lutécio.

No ano passado, a equipe médica que acompanha Sabrina propôs um tratamento não convencional, endovenoso, que envolve o medicamento lutécio. A substância possui uma carga radioativa que consegue atacar as células do tumor.

"Essas células que produzem hormônios, que são células de linhagem neuroendócrinas, em algumas situações elas captam, elas incorporam radiofármacos. O lutécio é um radiofármaco", explica a professora Ana Rosa Quidute. "[O radiofármaco] vai lá na célula e destrói essas células, fazendo com que ela tenha uma diminuição desse volume desse tumor, e consiga ir controlando essa doença dela".

A endocrinologista especificou que, antes de recomendar este tipo de medicamento, a equipe médica realiza um exame para identificar se as células cancerígenas possuem "receptores" que permitiram que o radiofármaco - no caso, o lutécio - se acoplem a elas.

"A Sabrina, ela fez esse exame e houve uma captação. Então, existe uma luz no fim do túnel", avalia Ana Rosa. "Então, vale a pena você tentar. É uma vida".

O tratamento com lutécio é feito com quatro aplicações, isto é, quatro doses, com um intervalo de seis semanas entre cada uma. O lutécio tem o custo médio de R$ 32 mil por dose, conforme levantamento que consta na decisão judicial. Ao todo, o tratamento de Sabrina custaria quase R$ 130 mil.

Por isso, em dezembro de 2023, Sabrina acionou Defensoria Pública da União para entrar na Justiça e obrigar a Secretaria Estadual de Saúde do Ceará (Sesa) a fornecer o remédio para seu tratamento. Em março de 2024, a Justiça decidiu a seu favor e determinou que a pasta providenciasse o medicamento.

A decisão favorável, no entanto, não garantiu a entrega do lutécio. Desde março, Sabrina tem voltado constantemente à Sesa para saber como está o processo de aquisição, que tem se arrastado desde então. "A gente tem que ir lá, eu levo o papel dizendo da minha gravidade, mas não adianta nada", disse Sabrina ao g1.

Em agosto, uma nova decisão judicial mandou a Sesa acelerar a compra do médio. No entanto, até o momento, a pasta não concluiu o procedimento.

À TV Verdes Mares, o coordenador de monitoramento, avaliação e controle do sistema de saúde da Sesa, Breno Novais, explicou que como o tratamento que Sabrina precisa não está no rol de tratamentos disponíveis no SUS, a secretaria precisou abrir um procedimento específico para comprar o remédio respeitando a legislação vigente.

"A gente abriu um processo de dispensa de licitação para atender de forma célere e segura a Sabrina. No primeiro processo que foi aberto, nenhuma unidade habilitada se cadastrou para a execução desse serviço. Nós fizemos nova comunicação com os serviços habilitados aqui do estado", explicou Breno.

"Já está aberto outro processo para que nós consigamos fazer a contratualização de forma célebre para o tratamento da Sabrina. Por tratar-se de um serviço, de uma medicação que não consta no rol do SUS, a Secretaria está seguindo todos os trâmites legais para a contratualização segura desse serviço, desse tratamento que a Sabrina tanto precisa", completou o coordenador.

 

Veja a cronologia da doença

2015: Sabrina começou a sentir os primeiros sintomas do tumor aos 15 anos. Ela teve inchaço e manchas pretas pelo corpo ficou inchada, além de sentir ansiedade devido aos sintomas

2015-2017: Sabrina passou por duas cirurgias, ainda adolescente, para retirada do nódulo, enquanto ainda era paciente no Hospital Infantil Albert Sabin.

2018: Ao completar 18 anos, Sabrina passou a ser atendida no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), onde a equipe médica descobriu que o tumor havia levado a jovem a desenvolver Síndrome de Cushing

2020: A primeira vez que Sabrina notou o início do escurecimento na pele veio cerca de cinco anos após o diagnóstico. No entanto, a pele começou a escurecer de verdade (mas ainda em grau leve) no ano seguinte.

2022: Sabrina passou por uma cirurgia de retirada das glândulas adrenais, o que acelerou o processo de escurecimento da pele. A retirada das glândulas resolveu os excessos de cortisol, mas a livre circulação do ACTH causou a mudança severa no tom de pele

2024: Sabrina passou por radioterapia e por uma nova cirurgia para fazer dois procedimentos: drenar a água do pericárdio (membrana que envolve o coração) e alargar a traqueia, que está sendo comprimida pelo tumor

 

Por g1 CE

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